Tragédia em Mariana

Inoperância do Estado e a “supremacia” das mineradoras

O desastre de 5 de novembro causado pelo rompimento da Barragem Fundão com resíduos de minérios da empresa Samarco cujos donos são as multinacionais Vale do Rio Doce e a anglo-australiana BHP Bilinton PLC ainda está longe de ser mensurado.

Dezenas de vidas de trabalhadores da Samarco e moradores do distrito de Bento Rodrigues (município de Mariana/MG) se foram; centenas de famílias não sabem o que o futuro lhes reserva; tribos indígenas e a população ribeirinha do Rio Doce estão sem água e sem o seu meio de sobrevivência que vinha do rio; dezenas de cidades sofrem com a falta de água e milhares de trabalhadores estão com seus empregos em risco. E essas são apenas as primeiras consequências do desastre.

As barragens da Samarco foram alvo de investigação em 2013 quando, a pedido do Ministério Público Estadual (MPE), foi realizado um estudo na região.

O que aconteceu em Mariana está longe de ser um acidente, fruto de um abalo sísmico – como tentaram fazer crer a Samarco e a Vale. Tampouco foi a única catástrofe envolvendo barragens de rejeitos. Entre 2001 a 2014, seis rompimentos provocaram mortes e devastação em Minas Gerais.

Apesar de necessário, a Samarco nunca montou nenhum esquema emergencial e de evacuação para situações de risco como a que ocorreu. E o número de vítimas só não foi maior por que moradores de Bento Rodrigues, inclusive as crianças, saíram avisando as pessoas que rapidamente se deslocaram para as partes mais altas do distrito.

Depois do desastre, a Samarco busca ter o controle da situação. Foi ela quem montou – dentro da sede da empresa – o Centro de Operações envolvendo Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e a Polícia Civil, guardada com um forte esquema de segurança privada; é ela quem controla os acessos ao distrito de Bento Rodrigues e quem tem o controle dos atingidos. Os órgãos governamentais são meros prestadores de serviço e reféns das informações e do esquema emergencial montado pela Samarco! Causou revolta na CUT e nas organizações populares o fato do governador Fernando Pimentel fazer o seu primeiro pronunciamento público de dentro do Centro de Operações da Samarco.

As ações do governo de Dilma e Pimentel

A presidente Dilma, em visita nas áreas afetas, disse que é preciso “rever como a mineração acontece no Brasil”. Mas, por hora, só anunciou uma multa do Instituto Brasileiro do Meio-Ambiente (IBAMA) de 250 milhões de reais e nove milhões para a fiscalização depois do estrago feito!

O governo Pimentel, por sua vez, embargou a licença de operação da Samarco que está proibida de extrair ou processar minério de ferro na mina Germano. Para que possa voltar a operar, a Samargo terá que cumprir as exigências de segurança fixadas pelo Estado como, por exemplo, o término da obra de bombeamento do minério de ferro pelo mineroduto da empresa que liga Mariana ao Estado do Espírito Santo o que, do ponto de vista da mineradora, tornaria inviável a continuidade da empresa na região. Por isso, o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS), preocupado com a situação econômica do município de Mariana, onde o orçamento muncipal dependente da mineração em 80%, defende que o embargo seja por tempo determinado.

Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, deputados discutem a possibilidade de aprovar leis que obriguem as mineradoras a tratar o rejeito “a seco”, como é feito em vários países do mundo. Mas essa proposta não é vista com bons olhos pelas empresas mineradoras pois representaria um aumento nos custos de extração em cerca de 30%.

Financiados pelas mineradoras

Dos 37 deputados que participam da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que prepara o novo Código da Mineração, 17 tiveram doações de campanha ligadas à mineração.

E a proposta em discussão ameaça ser mais atrasada do que a criada em 1967 durante a ditadura militar. Além de mexer na taxa de Compensação Financeira pela Exploração de Minérios (CEFEM), o projeto garante, entre outras coisas, o direito de a mineradora “usar as águas necessárias para as operações de concessões”. O temor é que a exploração mineral se sobreponha a outras destinações da água, até mesmo para o abastecimento humano. Aliás, um fato que já ocorre em Mariana que sofre com constante falta de água.

As mineradoras que pagam uma irrisória taxa CEFEM e ainda são “agraciadas”, entre outras medidas, com a isenção de 100% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para a exportação; e ainda querem ainda mais!

A saída é o Estado assumir o seu papel

O fato é que, em meio a essa discussão, mais de 6500 empregos diretos e outros milhares indiretos estão em risco na região do Vale do Rio Doce.  Diante da dependência econômica da mineração de Minas Gerais e do país, os governantes vivem em meio à chantagem das empresas mineradoras que exigem mais concessões, sob pena de demissões em massa e fechamento de empresas.

A tragédia de Mariana reafirma a necessidade de que o país tome em suas mãos a exploração e controle de suas riquezas. A tragédia recoloca para o movimento dos trabalhadores e suas organizações a importância de retomar a questão da reestatização da Vale, corresponsável pela tragédia em Mariana, privatizada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Sumara Ribeiro

 

A CIA VALE DO RIO DOCE

A Vale foi construída depois de vigorosa resistência dos mineiros contra a multinacional inglesa, a Itabira Iron, nacionalizada durante o governo de Getúlio Vargas, com a indenização dos acionistas da multinacional. Ao lado da Petrobras, a Vale estava entre as “joias” do patrimônio público nacional. Mantinha sob o controle do país a extração de minerais (ferro, bauxita, nióbio, alumínio, cobre, carvão, manganês, ouro, urânio), operava em 14 estados e detinha 9 mil quilômetros de malha ferroviária, portos, usinas e terminais marítimos.

Em 1997, apesar dos protestos dos trabalhadores, o governo FHC (PSDB), privatizou a Vale, vendendo a empresa, avaliada em quase R$ 100 bilhões por pouco mais de R$ 3 bilhões!

Em 2007, dez anos após a privatização, organizações dos trabalhadores, entre elas, o PT, a CUT e o MST, realizaram um plebiscito onde votaram quase 4 milhões de brasileiros, com 94,5% dos votantes exigindo anulação do leilão de privatização e a reestatização da Cia Vale do Rio Doce.

Artigo originalmente publicado na edição nº777 do jornal O Trabalho de 19 de novembro de 2015

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