“O povo exige o fim do regime”, faixa levantada na praça Tahir em 8 de fevereiro na manifestação com centenas de milhares, refletindo a vontade do povo egípcio. Enquanto emissários dos EUA tentam preservar o regime, o movimento que começou em 25 de janeiro, apesar da repressão e da ação dos provocadores do ditador Mubarak, abala a ditadura instalada no país há 30 anos.
Comitês de autodefesa, cenas de confraternização de soldados e manifestantes, criação de uma nova central sindical, greves em todo o país, é a revolução que começou no Egito! Primeiro na Tunísia, o povo expulsou Ben Ali, constituindo comitês populares abrindo um processo de duplo poder, para o que se serviu da União Geral dos Trabalhadores da Tunísia, central sindical histórica.
Agora no Egito, os jovens, os trabalhadores, os oprimidos e explorados se colocam em pé pelo fim do regime, principal pivô do imperialismo dos EUA para a “estabilidade” no Oriente Médio. Os processos revolucionários na Tunísia e no Egito animam os povos de outros países da região, como no Yemen, mas nada têm de um fenômeno próprio ao mundo árabe. É a luta de classes, contra a exploração e a opressão que afetam os trabalhadores de todo mundo.
Mubarak, servil aplicador da política do FMI, de privatizações, desemprego, miséria é o principal aliado,
na região, do Estado Sionista de Israel que bloqueia a constituição de Estado laico e democrático em todo território histórico da Palestina. A revolução no Egito abala não só a política do imperialismo no Oriente Médio, mas toda a ordem mundial de guerra e exploração, comandada pelos EUA.
O governo Obama se empenha em preservar o regime, em particular seu aparato militar. Mas, como na Tunísia, o povo egípcio decidiu tomar em suas mãos a decisão sobre seu destino.
Seu triunfo é um estímulo à luta das massas em todo o mundo, inclusive em nosso continente.
A começar pelo Haiti, onde o povo quer livra-se da opressão das potências que depuseram Aristides e decidiram ocupar o país – ocupação que vergonhosamente o governo brasileiro aceitou comandar – e que são as mesmas potências que sustentaram as ditaduras de Ben Ali e Mubarak.
Estamos com o povo egípcio e exigimos do governo brasileiro que retire seu embaixador no Egito e se pronuncie contra a ingerência dos EUA no país.
UM BOM ALUNO DO FMI
Após participar da coalizão estadunidense na primeira guerra do Golfo em 1991, o governo egípcio foi beneficiado pela anulação de sua dívida militar com os EUA e, nesse marco, o FMI exigiu um plano de ajuste estrutural, baseado na privatização de empresas públicas. No primeiro
plano, 150 empresas públicas foram privatizadas. O terceiro Plano quinquenal (1992-97) acentua as privatizações nos setores rentáveis.
Ao mesmo tempo, a taxa da população que vive no limite da pobreza (dois dólares por dia), chega a 40%. Em 1997, um informe da OCDE reconhece o “êxito” das políticas de estabilização econômica e das reformas estruturais feitas no Egito, e afirma “a principal contrariedade é o poder introduzir as mudanças a um ritmo que não coloque em perigo a estabilidade política”.
A política de privatização e pilhagem do povo egípcio provocava a revolta da classe trabalhadora, dos camponeses e jovens egípcios. Os anos de 1990 e 2000 foram marcados no Egito por uma sucessão de greves contra as consequências das “recomendações” do FMI. Segundo o diário egípcio Al Masri Al Yaoum, entre 2004 e 2008 mais de 1,7 milhões de trabalhadores realizaram mais de 1900 greves em todo o país.
EUA FINANCIA AS FORÇAS ARMADAS
As forças armadas no Egito são a coluna vertebral do estado desde que o rei foi deposto em 1952.
Depois dos Acordos de Camp David, em 1978, quando o estado maior recebeu uma volumosa ajuda do governo estadunidense, as forças armadas egípcias recebem, anualmente 1,3 bilhões de dólares dos EUA. No início das mobilizações desse ano, o chefe do estado maior, general Sami Annam, que estava em Washington, reunido com o estado maior dos EUA, regressou precipitadamente ao Egito para tentar retomar o controle da situação.
GREVES E RECHAÇO AOS AGENTES DO EUA
No dia 2 de fevereiro, Mubarak,nomeou o general Omar Souleimane ex-chefe dos serviços secretos do Egito, como vice presidente, cargo vago há 30 anos. Uma hora depois o presidente Obama, apela para uma “transição democrática”.
No dia 3, os EUA multiplicam o envio de emissários ao país. No dia 6, conforme exigência dos EUA, Souleimane se reúne com os partidos de oposição. Obama avalia que “o processo político registra progressos”. Seu porta-voz, Robert Gibbs declara “seremos parceiros de um governo que mantenha os tratados”, referindo-se ao acordo Egito-Israel, pilar da ordem dos EUA.
9 de fevereiro: na cidade de Suez e em outras várias cidades do país,os trabalhadores entraram em greve, por melhores salários e condições de trabalho, por moradia, contra escassez do pão. No Cairo, manifestantes cercaram a sede do Parlamento exigindo sua dissolução. Na praça Tahir os manifestantes gritaram: “Não a Suleiman!”, “Não aos agentes americanos!”, “Não aos espiões israelenses!”, “Fora Mubarak!”. Enquanto o Exército ameaça “intervir para controlar o país”, uma nova grande manifestação se prepara para 11 de fevereiro.
Ninguém pode prever o desfecho da situação no Egito. Uma coisa é certa: o levante do povo já desestabilizou não apenas a ditadura militar de Murabak, mas também a ordem dos EUA no Oriente Médio e a ordem mundial.
FORMADA FEDERAÇÃO SINDICAL INDEPENDENTE
Em 30 de janeiro, na praça Tahir no Cairo, uma coletiva de imprensa de sindicalistas anunciou a constituição da Federação Egípcia de Sindicatos Independentes.
Em seu comunicado escreveram: “As lutas trabalhistas pavimentaram o caminho para a atual revolução popular. É por isso que os operários e funcionários egípcios recusam totalmente que a federação geral ‘governamental’ fale em seu nome, pois ela sempre recusou os seus direitos e reivindicações, chegando a publicar a famosa declaração de 27 de janeiro na qual se opunha a qualquer ato de protesto neste período.”
De fato, sindicatos independentes vinham lutando contra a Lei 100, adotada em 1993 contra a liberdade sindical, revogada em 6 de janeiro deste ano (antes portanto da eclosão da revolução) pela Corte Judicial.
A luta reivindicativa nunca cessou, apesar das duras condições do estado de exceção de 30 anos. A nova federação reúne sindicatos de funcionários públicos (fiscais, professores, setor saúde), aposentados e grupos de trabalhadores na indústria. Ela convocou a greve geral a partir de 31 de janeiro, que teve eco em vários setores, em particular no centro industrial de Suez.
Na sua plataforma exige: direito ao trabalho, salário mínimo de 1.200 libras egípcias, direito à previdência social e educação públicas e gratuitas, direito de livre organização sindical e a libertação de todos os presos encarcerados desde 25 de janeiro.
ENTREVISTA: “O MAIS BELO DIA DE NOSSAS VIDAS”
Trechos do depoimento dado por Suheir e Ahmad, um jovem casal morador no Cairo ao jornal Informations Ouvrières (Informações Operárias).
Quarta-feira, 26 de janeiro: Queríamos ir à manifestação na praça Tahrir. Precisávamos atravessar a ponte 6 de Outubro, pois moramos do outro lado do rio Nilo. Sobre a ponte, encontramos uma barreira feita por policiais de uniforme. Outros estavam de moto. Lançaram gás lacrimogêneo contra nós.
Quinta-feira, 27 de janeiro: Vimos passar diante de nossas janelas dezenas de indivíduos sobre cavalos e camelos. Eram os camelos da polícia. Os homens estavam armados com bastões.
Sexta-feira, 28 de janeiro: Não havia mais telefones funcionando. Dois dias antes, o governo cortou a Internet. Isso pode parecer pouco, mas é muito grave. Era impossível se comunicar. Correu o boato de pilhagem em diversos bairros. No nosso, Mohandessine, todos os rapazes se organizaram para proteger a entrada das residências. Nos armamos com bastões e facas para garantir nossa segurança. Nessa sexta, soubemos que houve depredações no Museu Nacional de Antiguidades, que está na praça Tahrir. Fui com Ahmad para a praça. Manifestantes haviam cercado o prédio para protegê-lo de roubos e de pilhagens.
Sábado, 29 de janeiro: Meu irmão, que mora em Guiza, me disse que o Comitê de Defesa do qual ele fazia parte deteve quatro ônibus que iam para o centro da cidade, repletos de criminosos e de presos por delitos comuns, que o governo havia acabado de libertar para que fossem fazer pilhagens e se enfrentar com os manifestantes na praça Tahrir.
Os condutores dos onibus tinham carteiras de policiais. Eles confessaram que estavam realizando
uma missão… Mubarak organiza o caos e pretende se manter no poder pelo temor do caos!
Quarta-feira, 1º de fevereiro: Esse dia, quando estávamos em mais de dois milhões de pessoas na manifestação, foi verdadeiramente o mais belo dia de nossas vidas. Homens verificavam se os que entravam na praça não tinham armas. Havia gente vinda de todos os lados.
O clima se parecia ao primeiro perfume de liberdade. As pessoas se falavam, sorriam. Alguns distribuíam água, outros, sanduíches. Havia muitas mulheres e moças. Uma grande fraternidade reinava sobre a praça. Foi um dia maravilhoso. Jamais conhecemos tal sentimento de liberdade.
Todos gritavam: “Fora Mubarak!”.
Alguns lançaram: “Parta Mubarak, Tel-Aviv espera”. Nos primeiros dias, as pessoas abraçavam os militares dizendo: “Somos uma única mão”. Mas, depois, a confiança se quebrou. As pessoas se organizaram elas mesmas para se defender contra os apoiadores do regime.
ALGUMAS DATAS DA
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO EGITO
1922: “Independência” do Egito, então protetorado britânico, com a Inglaterra mantendo o controle da defesa, assuntos estrangeiros e economia. Nesse marco, o sultão se torna “rei do Egito”
1945: Egito é aceito na ONU
1948: Proclamação do Estado de Israel e primeira guerra
1951: Oficiais como Nasser e Sadat fundam o Movimento de oficiais Livres
1952: Deposição do rei pelos oficiais Livres
1954: Nasser desenvolve uma política “pan árabe”
1956: Nacionalização do canal de Suez por Nasser
1967: Após a derrota na guerra de Israel (ocupação de Sinai) e fechamento do canal de Suez, o Egito se orienta em direção à União Soviética
1970: Os EUA propõem ao Egito um plano de “paz”. É proclamado um cessar fogo com Israel, por três meses. Nasser morre em julho. Sadat o sucede, elimina parte da direção nasserista e orienta-se às monarquias do golfo.
1972: Diante da ameaça de Israel contra Síria, Egito ataca Israel. Sob o controle dos EUA é feito um acordo de cessar fogo
1974: Egito conclui seus primeiros acordos com o FMI
1977: Protestos populares contra os planos econômicos são violentamente reprimidos
1978: Egito assina um acordo de “paz” com Israel (acordo de Camp David), no qual, pela primeira vez um regime árabe reconhece o Estado de Israel, em oposição à exigência do povo palestino e de sua organização, a OLP, de instaurar um único Estado livre e democrático para toda Palestina. Quinze anos mais tarde os Acordos de Camp Davi serviram ao estabelecimento dos Acordos de Oslo (1993), instaurando a Autoridade palestina
1981: Sadat é assassinado. Hosni Mubarak, então vice presidente de Sadat, declara o estado de emergência que dura 30 anos.