“Agora é lei!”: direito ao aborto na Argentina

Em 30 de dezembro, às 4 horas da manhã, o Senado argentino aprovou por 38 votos a favor, 29 contra e uma abstenção a lei que legaliza o aborto no país. Uma luta de décadas puxada pelas mulheres e que arrastou movimentos populares e sindicais finalmente obteve uma vitória histórica, comemorada por milhares de manifestantes que ficaram em vigília à espera do resultado. Ouvimos a secretária geral adjunta da Central de Trabalhadores da Argentina-Autônoma (CTA-A), Dora Martinez, que participa do Comitê Internacional de Ligação e Intercâmbio em nome de sua organização.

Entrevista com Dora Martinez (CTA-A) sobre a conquista das mulheres argentinas
Entrevista com Dora Martinez (CTA-A) sobre a conquista das mulheres argentinas

O Trabalho: Como você encara a legalização do aborto em seu país?
Dora Martinez: É um fato político histórico que reconhece que o aborto legal diz respeito à vida das mulheres, colocando no plano da justiça social evitar mortes de pessoas ao dar-lhes acesso à prática em condições sanitárias e sem serem criminalizadas. É um tema de saúde pública e de direitos humanos. Significa também acabar com um negócio das clínicas privadas, pois com a legalização o sistema público poderá atender num marco de política sócio sanitária a necessidade da prática, terminando com a hipocrisia de que não havia abortos na Argentina, que sempre existiram, mas agora se darão em condições dignas.
O governo atual (Alberto Fernández, NdT) soube escutar a luta histórica por esse direito e interpretar o movimento diverso, plural da Maré Verde, cumprindo com o que disse na campanha eleitoral.

OT: Como começou e se desenvolveu essa luta?
DM: É uma luta que se ancora nas lutas por direitos ao longo dos séculos. Ela esteve presente em toda a luta pela liberação nacional, contra a nefasta ditadura cívico-militar, na recuperação da democracia em 1984, sendo retomada com maior potência com a força militante feminista. Assim se criou a Campanha pelo Direito ao Aborto em 2005 à qual se somaram muitas organizações, gerando mobilizações pela legalização.

OT: Como avalia o papel da mulher trabalhadora nessa luta?
DM: Nós sindicalistas feministas lançamos uma forte ofensiva nos anos 80 e 90 para fazer parte dessa luta tão política. Entendíamos que se tratava de um terreno disputado pelo patriarcado. Nossas instâncias no movimento sindical, em muitos casos atravessadas pela socialdemocracia europeia de forte influência vaticana à época, tentaram nos invisibilizar, mas não conseguiram! A CTA Autônoma foi fundadora da Campanha de 2005 e integrou em sua agenda a luta pela legalização do aborto desde o seu segundo congresso em 2001.

OT: O que você diria sobre essa conquista democrática para os demais países da América Latina onde o catolicismo é dominante?
DM: Me vem à memória a frase “o impossível demora um pouco, mas chega”. Diria que a longa luta pela nossa liberação ainda não terminou. Ganhamos uma batalha no terreno institucional, se aprovou nas duas casas por deputados e senadores. Agora é preciso controlar para que se cumpra a lei. A direita vai judicializar, pressionar os profissionais da saúde para que não atendam, tentar diluir. E por isso não podemos baixar os braços, exigir que se cumpra, agora é lei! Aqui não termina essa luta, ela foi requalificada para que comece outra etapa e aqui ninguém se rende!

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