Argélia: “Saírem os símbolos do regime não significa mudança”

No este dia 9, está marcada a audiência do recurso da sentença que condenou Luísa Hanune, secretária do Partido dos Trabalhadores da Argélia. Abaixo, publicamos um resumo da entrevista do deputado demissionário e dirigente do PT, Youcef Tazibt, a El Watan (27.01.2020), um dos principais diários do país. 

EW: As jornadas da Alternativa Democrática pela Soberania Popular de 25 de janeiro tiveram o objetivo de chegar a uma conferência nacional à margem do governo. Como seria isso?

As jornadas, além dos partidos políticos – FFS, PT, RCD, PST, MDS e UCP -, a Liga de Direitos Humanos e sindicatos autônomos, registraram a presença de uma série de coletivos, estudantes e personalidades da revolução de 22 de fevereiro [data do inicio das manifestações em 2019 – NdOT]. O PAD, Pacto de Alternativa Democrática, é uma estrutura unitária plural. Cada parte  explicou seu ponto de vista, normal pois o PAD não é um novo partido, e surgiu um conjunto de pontos de consenso.

EW: Quais são esses pontos?

Há um consenso de que nenhuma solução às aspirações do povo se enquadra no regime vigente, daí o apelo à dissolução de instituições ilegítimas e à realização de ”uma conferência nacional independente do sistema e a um processo constituinte soberano”. Os participantes adotaram uma carta política. O PT se dispõe a fazer todo o possível para que o povo argelino possa efetivamente assumir seu destino em mãos, por meio de uma Assembléia Constituinte Soberana responsável pela elaboração de uma Constituição que opere a ruptura com o sistema atual, e garanta os direitos políticos, econômicos e socioculturais da maioria.

A saída de vários símbolos do regime não significa a sua mudança, ainda existem suas práticas repressivas e políticas anti-sociais. A questão dos presos políticos mereceu uma resolução: ela  pede a libertação imediata e incondicional de Luisa Hanune, secretária do PT, Karim Tabbou, coordenador da UDS, Abdelwaheb Fersaoui, presidente da associação de jovens (RAJ), símbolos, cada um, da criminalização da política. 

EW: Alguns criticam o PAD pela radicalização. Por que a recusa ao diálogo?

O PAD, em seu texto, visa criar condições favoráveis para que as pessoas possam se expressar livremente. Não há radicalismo em ajudar o povo a se dotar soberanamente de uma Constituição que atenda às suas aspirações. Onde está o radicalismo, quando o PAD exige a libertação de presos políticos? Onde está o radicalismo em exigir o fim da repressão? A questão é diferente. Quem jogou centenas na prisão? Quem proíbe a realização de manifestações pacíficas? Quão radical é se opor a repetidos golpes que visam manter um regime obsoleto? As forças da Alternativa Democrática estão convencidas de que não há mudança com a manutenção do sistema atual e agem de acordo com essa convicção.

EW: As tentativas de unificar suas forças falharam. Hoje, os líderes do PAD aspiram a criar esse contra-poder?

A Alternativa Democrática é uma estrutura de amplo agrupamento político, sindical e associativo com várias orientações políticas que atuam na revolução. Elas rejeitaram os subterfúgios do poder que visa manter o sistema/regime. A recusa em participar das eleições de 12 de dezembro foi totalmente adequada às demandas de ruptura do povo. Ao fazer campanha por um processo constituinte soberano, as forças da Alternativa se recusam a reduzir o problema à mudança de pessoas. O regime deve mudar por meio da democracia e da soberania popular.

EW: Como você vê a saída para a atual crise?

Desde 22 de fevereiro, o povo argelino está em um processo revolucionário histórico, e colocou a questão do poder. Quem governará, em benefício de quem? O sistema baseado em instituições ilegítimas e antidemocráticas, com políticas anti-sociais e até anti-nacionais tem que desaparecer. A repressão, as prisões arbitrárias… longe de reverter a revolução, reforçaram a convicção da maioria de continuar a luta por sua soberania. O slogan “Blad bladna ou ndirou rayna!” (este país é nosso, fazemos o que queremos com ele) reflete a vontade de soberania.

Para nós, a democracia reside numa Constituinte que estabelecerá a soberania do povo sobre os recursos naturais para satisfazer as aspirações que se expressam há 11 meses, começando pelos hidrocarbonetos [o país é grande produtor de petróleo e gás – NdOT]. Uma Constituinte que ponha fim à venda dos bens nacionais, restabeleça o regime de soberania 51/49 [cláusula de maioria estatal de propriedade – NdOT], que salve o sistema de seguridade social e aumente o poder aquisitivo. Essa Constituinte repelirá todas as tentativas de ingerência estrangeira e não aceitará a pressão de governos estrangeiros que tentem nos empurrar para o atoleiro da Líbia, como os da França e Turquia. Isso é possível e realizável. A situação revolucionária em que vivemos exige um debate livre entre todos os argelinos. A mudança só pode advir da plena soberania do povo, traído muitas vezes por falsas promessas de “reforma”.

EW: O alerta sobre a saúde de Luisa Hanune que você lançou encontrou ressonância?

Nossa secretária, Luisa Hanune, está presa há dez meses. A arbitrariedade é escandalosa. Lançamos esse alerta porque seu estado de saúde se deteriora. Ela teve várias crises relacionadas a doenças crônicas. Julgamos que sua vida pode estar em perigo. Ela sofre uma terrível injustiça. O objetivo da sua condenação arbitrária é silenciar uma voz da revolução que pesa. A demanda por sua libertação é política, não humanitária. Por isso é apoiada por todos os partidos democraticos, sindicatos, organizações de direitos humanos e centenas personalidades de nosso país, e em mais de 100 países no mundo.

EW: Como você analisa as prisões, libera-se alguns, prende-se outros… qual a lógica disso?

O fato é que desde a libertação de 76 prisioneiros em 2 de janeiro, que coincidiu com o anúncio do gabinete do novo presidente Tebboune, nada aconteceu. Luisa está na prisão, assim como dezenas de presos políticos. Outros cidadãos foram presos, passaram noites nas delegacias de polícia, alguns foram soltos, outros condenados. As autoridades recusaram a permissão para realizar nossas jornadas num auditório público, cujos funcionários haviam concordado uma semana antes. Foram realizadas detenções e gás lacrimogêneo foi usado para dispersar manifestações. Nada mudou.

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