Líbano: “somos um só povo, queremos a queda do governo”

No Líbano, desde 17 de outubro, manifestações massivas, por reivindicações comuns, envolvem a esmagadora maioria da população. Elas se inscrevem em uma situação explosiva na região marcada pela guerra na Síria e, apesar dessa barbárie, existem mobilizações do povo no Iraque e no Egito.

O Líbano é estruturado politicamente de acordo com um sistema comunitário feudal e confessional criado pelo regime colonial francês. Os libaneses são listados em uma comunidade desde o nascimento, sendo as principais as comunidades xiitas, sunitas, cristãs e drusas, cada uma delas dividida politicamente em vários partidos. Tal sistema de partilha do poder baseado na divisão do povo está sendo denunciado, no mesmo nível que a corrupção sistêmica e as medidas econômicas brutais impostas pelo FMI.

A gota d’água
O governo adotou uma série de medidas contra as conquistas sociais dos libaneses, agravando as condições de vida da maioria do povo, do qual 35% já vive abaixo da linha de pobreza. Um de nossos correspondentes no Líbano explica que: “os governantes dizem que os problemas vêm dos refugiados sírios. Antes, era culpa dos refugiados palestinos, mas os corruptos no poder nunca se responsabilizam pela deterioração da economia. As pessoas estão muito indignadas”. A decisão de taxar as comunicações via internet, pelo WhatsApp, foi a gota d’água que fez transbordar o copo. Manifestações de cólera rapidamente se espalharam por todo o país. Os dois primeiros dias (17 e 18 de outubro) foram marcados pela repressão da polícia, do exército e de diversas milícias políticas.

Houve mortes e centenas de feridos, mas a tentativa de responder pela repressão foi submersa pela onda massiva das manifestações e seu caráter unitário, com todas as componentes da população. Como no Iraque, as sedes de partidos políticos foram saqueadas. Um correspondente relata “os cidadãos saem às ruas sem pôr em destaque qualquer sensibilidade religiosa ou filiação política. É importante notar que os campos palestinos demostraram seu total apoio ao movimento. As manifestações são majoritariamente compostas por jovens de todos os setores, estudantes, desempregados, pessoas que vivem na precariedade, mas também das classes médias, dos professores, isto é, a maioria dos libaneses”.

O movimento é caracterizado por rejeitar o conjunto dos partidos que compartilham o poder e cujos dirigentes em sua maioria enriqueceram pilhando os bens públicos por décadas. No dia 21 de outubro, vaias e palavras de ordem hostis se seguiram ao anúncio pelo primeiro ministro, Saad Hariri, de reformas econômicas cujo objetivo é fazer refluir os protestos.

Alguns dirigentes tentam encenar uma oposição ao governo. Na realidade, explica nosso correspondente, “as Forças Libanesas, partidários de Samir Geagea, apoiadores de Walid Jumblatt (dirigente do Partido Socialista Progressista) participaram das manifestações essencialmente para expressar seu ódio ao presidente da república e não porque sejam contra a injustiça e a corrupção. As Forças Libanesas são os mais fervorosos defensores dos bancos, os principais alvos dos manifestantes. Vários dirigentes tentam surfar a onda de mobilização, mas todos eles são classificados como parte do sistema. Eles não são capazes de nos ouvir, mas sabem se colocar de acordo para nos taxar e para falar de risco de caos. Quanto ao Hezbollah, ele tinha planejado organizar uma manifestação contra o sistema bancário e sua total dependência das instituições internacionais e das imposições dos EUA, desde que o Jammal Bank, que negocia com eles, foi interditado. Descobriu-se que a administração dos EUA teria organizado uma lista de personalidades xiitas, sunitas e cristãs próximas do Hezbollah para penalizar e isso provocou muita irritação. Assim, a situação acaba de mudar e o Hezbollah, como todos os partidos, é rejeitado pela massa dos jovens que vomitam todo o sistema comunitário e confessional.”

“Saiam todos”
Em todos os lugares as mesmas palavras de ordem: “O povo quer a queda do regime”, “Saiam todos, não confiamos mais”. “Nas manifestações, explica um de nossos correspondentes, só vemos bandeiras libanesas, nenhuma bandeira de partido, mas na segunda-feira 21 de outubro apareceu bandeiras argelinas como um exemplo a seguir. Dizem que há um só povo libanês, o povo trabalhador que se levanta contra os corruptos que usam a divisão em comunidades para dividir o poder entre si.
Diz nosso correspondente, “a solução, a saída que todos esperam reside na abolição do sistema”.
François Lazar, Trechos de matéria de Informações Operárias da França

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