O dia 12 de maio de 1978 é um marco na luta dos trabalhadores brasileiros. Naquela sexta-feira, os metalúrgicos da Scania, em São Bernardo do Campo, pararam a fábrica, iniciando uma onda de greves de massa que o país não via desde 1968 (a greve era proibida de fato pela “lei de greve”).
De forma organizada, os metalúrgicos da Scania desligaram as máquinas, reivindicando 20% de reajuste salarial, além do índice determinado pelo governo. A Federação dos Metalúrgicos, na verdade, fingia que negociava com os patrões, até o governo militar determinar o índice de reajuste. Por isso, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema tinha rompido com a Federação pelega e avisado que ia negociar em separado.
“No dia anterior, o Gilson (Menezes) ligou para o Lula e para a diretoria avisando que íamos parar. Não acreditaram. O movimento foi espontâneo, na medida em que não foi organizado pelo sindicato, mas foi fruto do movimento dos trabalhadores e do sindicato porque criou o ambiente”, disse Augusto Portugal, ativista da Scania na época, em entrevista à “Tribuna Metalúrgica”, jornal do sindicato (11/5/20).
Nos dias e semanas seguintes, o movimento se estendeu para outras fábricas, desafiando a legislação da ditadura e enfrentando a repressão interna de chefes e seguranças.
Na segunda-feira, dia 15, foi a vez da Ford. Ali, a greve atingiu, em uma semana, todos os trabalhadores da fábrica. No dia 16, enquanto o pessoal da Scania voltava ao trabalho, os operários da Mercedes cruzaram os braços.
Na Volks, a greve começou no dia 19, e registrou o embrião de uma organização de base, com a eleição de delegados em alguns setores para discutir com a empresa. Em toda a região do ABC, quase 70 mil trabalhadores pararam em maio. Até agosto, o número elevou-se a 120 mil, em mais de 130 empresas.
O sindicato foi chamado para negociar pelos trabalhadores, mas não convocou nenhuma assembleia para centralizar o movimento. Somente nas campanhas salariais dos anos seguintes houve essa centralização.
“Explosão de alegria”
As greves não surgiram do nada. Eram parte do crescimento do movimento de massas no Brasil em luta contra a ditadura. O movimento estudantil começara a reconstruir suas entidades livres e saíra às ruas em passeatas pelas reivindicações da juventude. O movimento popular procurava se organizar nos bairros. A luta por liberdades democráticas e pela anistia ampla, geral e irrestrita se intensificava.
Em São Bernardo, mesmo, greves parciais tinham ocorrido desde março de 1978, no interior da Ford e da Mercedes. No ano anterior, o Sindicato dos Metalúrgicos, com Lula à frente, fizera uma campanha pela reposição de 34,1% de perdas salariais acumuladas em decorrência da manipulação dos índices de inflação pelo governo.
Foi o movimento real dos trabalhadores o qual abalou a estrutura sindical atrelada ao Estado, vigente na época. Buscando organizar-se, eles desenvolveram na prática sua consciência de classe. Nesse processo, passaram a discutir e a construir um partido e uma central sindical, além de comissões de fábrica.
No último dia 15, numa live que discutiu os 42 anos da greve da Scania, promovida pelo Instituto Lula e conduzida pelo próprio Lula, Augusto Portugal recordou: “Na sexta-feira, entramos e paramos a fábrica. (…) Pra mim, com 26 anos, que estava na Scania já há dois anos, militante do sindicato, participava do grupo de teatro do sindicato, Grupo Ferramenta, estava todo envolvido com a nossa luta, foi, no fundo, uma explosão de alegria, né? Da certeza de que, sim, nós temos uma força, vamos fazer valer essa força. Fizemos. E aí começou um ciclo de greves”.
Cláudio Soares
Das grandes mobilizações ao PT e à CUT
As páginas de “O Trabalho” acompanharam passo a passo a organização dos trabalhadores a partir das greves de 1978.
Estouram as greves
“Para mostrar que as pressões, ameaças e toda espécie de violência não conseguem acabar com sua força, quase 70 mil trabalhadores entraram em greve no ABC – dando início a um movimento que já começa a se espalhar, rapidamente, por outras cidades mais próximas. Em pouco mais de dez dias, as greves colocaram em questão o edifício que o regime militar levou 14 anos para construir. ” (O Trabalho nº 1, de 30/5/1978)
Primeiras conquistas
“Em nenhuma fábrica se conseguiu, ainda, um aumento de 20%, conforme se havia exigido. Mas em todas elas os trabalhadores já conquistaram 5%, 10% e até 15% de aumento em seus salários. (…) A lei de greve começa a vir abaixo (…). Enfrentando a duríssima repressão interna de algumas empresas, os trabalhadores conseguiram criar comissões de fábrica em alguns lugares. ” (OT nº 2, de 15/6/1978)
Fundação do PT
“(…) no dia 10 de fevereiro, em São Paulo, uma reunião de 1.200 trabalhadores de 18 Estados brasileiros aprovou o Manifesto de Fundação do PT. Esta reunião representou um passo positivo no sentido de consolidar o PT (…). Bastou a articulação do PT ganhar um pouco de solidez, e contar com um manifesto onde seus membros dedicam muita ênfase à organização independente dos trabalhadores, para a burguesia iniciar uma campanha pública visando a impedir o movimento pró-PT de se transformar num partido operário, de classe. ” (O Trabalho nº 49, de 26/2/1980)
Comissão de Fábrica da Ford
“No dia 18 de janeiro de 1982, a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos assinou um acordo com a Ford, no qual aquela empresa reconhece a Comissão de Fábrica. Essa vitória é resultante de uma série de combates travados pelos trabalhadores da Ford no último ano, em que a greve com ocupação de fábrica, pela readmissão de 11 companheiros, foi o ponto mais alto. ” (OT nº 138, de 27/1/1982)
Comissão de Fábrica da Volks
“[Anunciada] a formação da Comissão de Fábrica da Volkswagen – a maior empresa da região. Isto significa mais uma vitória dos trabalhadores. Como se recorda, a Volks havia tentado impor uma comissão atrelada à direção da empresa (…), [mas] os metalúrgicos – através de um plebiscito – impuseram uma derrota aos patrões, lançando um grito de guerra em defesa de uma comissão de fábrica independente. ” (OT nº 176, de 28/10/1982)
Surge a CUT
“A CUT nasceu. (…) Agrupando quase mil entidades sindicais, com as principais lideranças da cidade e do campo presentes, apoiada por mais de 5 mil delegados eleitos por outras centenas de milhares de trabalhadores reunidos para esse fim em todos os rincões do país, essa central sindical nasce à margem e contra a atual estrutura sindical. ” (OT nº 214, de 1/9/1983).
Lançado em 1º de maio de 1978, o jornal O Trabalho está, há 42 anos, a serviço da luta dos trabalhadores