Há 99 anos, em 21 de janeiro, Lênin desaparecia, vítima do que hoje se chama acidente vascular cerebral.
Sua morte foi particularmente trágica, não apenas porque Lênin era, àquela altura, o principal dirigente da classe operária em escala mundial, mas porque ele morre num momento agudo da Revolução Russa que se desenvolvia desde a tomada do poder em 1917.
Saindo do período da guerra civil, a Rússia revolucionária estava confrontada com as questões candentes da transição ao socialismo. Estes desafios se punham no quadro em que o Partido Bolchevique, a Internacional Comunista e o Estado Operário assistiam ao começo da hegemonia de uma camada burocrática cujos interesses se encarnavam na política de Stálin e Bukharin. Lênin morto, Stálin pôde esposar a tese de Bukharin da construção do socialismo num só país, negando a necessidade do combate pela revolução mundial.
A história não é produto das vontades singulares, mas os indivíduos ocupam um lugar na história. Em um texto posterior a esta época, Trotsky se pergunta se a Revolução de Outubro seria possível sem Lênin. De certa forma a questão do lugar de Lênin na história se colocara já no momento da sua morte.
Pelo lugar que desempenhou na liderança da Revolução de Outubro e à cabeça do poder até 1923, a tragédia da burocratização do primeiro Estado Operário da história teria sido evitada com Lênin vivo? Não há resposta. O que se pode dizer é que Lênin vivo por mais alguns anos seria uma poderosa barreira às forças sociais que acabaram se constituindo na casta stalinista que, no que pese o combate de Trotsky e outros setores do partido, conduziram à degeneração da URSS e finalmente à sua destruição.
No momento em que lembramos mais um aniversário de morte de Lênin, publicamos o obituário que, ausente dos funerais devido a uma manobra de Stálin, Trotsky escreveu para homenagear o camarada morto.
Eudes Baima
Lênin morreu
Leon Trotsky
Lênin morreu. Lênin já não existe. As leis obscuras que regulam o funcionamento da circulação arterial puseram termo à sua existência. A arte da medicina viu-se impotente para operar o milagre que dela se esperava apaixonadamente, que dela exigiam milhões de corações.
Quantos homens haverá entre nós que de boa vontade e sem hesitação teriam dado o sangue até à última gota para reanimar, para regenerar o organismo do grande líder, de Lênin, o único, o inimitável? Mas não havia milagre possível, aí onde a ciência era impotente. E Lênin morreu. Estas palavras caem sobre a nossa consciência de uma maneira terrível, tal como o rochedo gigante cai no mar. Poder-se-á acreditar? Poder-se-á aceitar?
A consciência dos trabalhadores do mundo inteiro não vai querer admitir este fato, pois o inimigo dispõe ainda de uma força considerável; o caminho a percorrer é longo; a grande tarefa, a maior que jamais foi empreendida na História, não está terminada; pois Lênin é necessário à classe operária mundial, indispensável como talvez jamais alguém o tenha sido na história da humanidade.
O segundo ataque da sua doença, muito mais grave do que o primeiro, durou mais de dez meses. O sistema arterial, segundo a amarga expressão dos médicos, não cessou de “brincar” durante todo esse tempo. Terrível brincadeira na qual se jogava a vida de Ilitch. Podíamos esperar uma melhoria e quase que uma cura absoluta, mas também podíamos esperar uma catástrofe. Estávamos todos à espera da convalescença, foi a catástrofe que se produziu.
O regulador cerebral da respiração recusou-se a funcionar e apagou o órgão do genial pensamento.
Perdemos Ilitch. O Partido está órfão, a classe operária está órfã. É, acima de tudo, o sentimento que temos ao ouvir a notícia da morte do mestre, do líder.
Como iremos prosseguir? Encontraremos o caminho? Não iremos perder-nos? Porque Lênin camaradas, já não se encontra entre nós…
Lênin já não existe, mas temos o leninismo. O que havia de imortal em Lênin, os seus ensinamentos, o seu trabalho, os seus métodos, o seu exemplo – vive em nós, neste Partido que criou, neste primeiro Estado operário à cabeça do qual se encontrou e que ele dirigiu.
Neste momento, os nossos corações estão invadidos por esta dor tão profunda, porque todos nós fomos contemporâneos de Lênin, trabalhamos a seu lado, estudamos na sua escola.
O nosso Partido é o leninismo em ação; o nosso Partido é o guia coletivo dos trabalhadores. Em cada um de nós vive uma parcela de Lenin, o que constitui o melhor de cada um de nós.
Como avançaremos a partir de agora? Com uma lanterna do leninismo na mão. Encontraremos o caminho? Sim, através do pensamento coletivo, da vontade coletiva do Partido, encontrá-lo-emos!
E amanhã, e depois de amanhã, daqui a oito dias, daqui a um mês, interrogar-nos-emos ainda: será possível que Lênin já não exista? Durante longo tempo esta morte parecer-nos-á um capricho da natureza, inverossímil, impossível, monstruoso.
Que este sofrimento cruel que sentimos, que cada um de nós sente no coração ao lembrar-se que Lênin não existe, seja para nós um aviso diário: lembremo-nos que a nossa responsabilidade é agora muito maior. Sejamos dignos do líder que nos instruiu!
No sofrimento e no luto, cerremos fileiras, aproximemos os nossos corações, agrupemo-nos mais estreitamente para as novas batalhas!
Camaradas, irmãos, Lênin já não está entre nós. Adeus Ilitch! Adeus, Chefe!
Estação de Tiflis, 22 de Janeiro de 1924