Artigo publicado no Jornal “Informações Operárias” do POI da França. Tradução de Adaias Muniz.
Desde domingo, 9 de agosto, e da publicação da primeira estimativa oficial dos resultados das eleições presidenciais, milhares de bielorrussos saíram às ruas, não apenas na capital Minsk, mas em 33 localidades no país. Em vários lugares, os manifestantes tentaram erguer barricadas.
As manifestações continuaram durante a semana. Os sindicatos do país participam ativamente da mobilização, com uma primeira greve já na terça-feira, 11 de agosto.
Logo, uma violenta repressão atingiu os manifestantes, com a prisão de três mil pessoas na primeira noite. Em Minsk, a polícia atacou com gás lacrimogêneo, granadas de choque e balas de borracha. Em Brest, uma das principais cidades do país na fronteira com a Polônia, os policiais atiraram com balas reais. Os manifestantes detidos foram amontoados às dezenas em celas apertadas, privados de água, comida e sono, espancados e torturados. Segundo um dos prisioneiros, detido 24 horas entre 10 e 11 de agosto, “as pessoas estavam deitadas no chão como se fossem um tapete vivo, numa poça de sangue”.
Mas essa repressão selvagem não conseguiu impedir a mobilização. Pelo contrário, ela só fez reforçá-la durante a semana seguinte. Militares tiraram ostensivamente seus uniformes e se demitiram em protesto.
E essa mobilização cresceu até a gigantesca manifestação de domingo 16 de agosto, onde dezenas de milhares de bielorrussos exigiram a saída do presidente Lukashenko, gritando: “Fora! Fora!”.
É certo que as manobras imperialistas se multiplicaram nos últimos dias. Assim, em 17 de agosto, os chefes de Estado ou de governo do Reino Unido, Alemanha e França afirmaram seu apoio aos manifestantes. Uma cúpula extraordinária dos 27 países da União Europeia foi convocada com urgência para o dia 19 de agosto, para discutir a situação na Bielorrússia.
No entanto, a mobilização em curso no país, verdadeiro levante do povo e da classe operária, não pode de forma alguma ser equiparada à “revolução laranja” da Ucrânia em 2004, completamente instrumentalizada pelo imperialismo e em particular pelos Estados Unidos.
O que domina a situação na Bielorrússia hoje é o movimento da classe trabalhadora. Cada vez mais fábricas entram em greve, incluindo indústrias absolutamente cruciais para a economia do país, como a empresa fabricante de veículos Belaz (nossa foto), ou os operários de uma fábrica de tratores que se manifestaram em Minsk em 14 de agosto. Na segunda-feira 17 de agosto, operários em greve se juntaram a uma manifestação em frente à sede da televisão estatal em Minsk. Essas greves que se espalham dão o conteúdo social da revolta em curso e da palavra de ordem unânime: “Fora!”.
Correspondência de Minsk
“A Bielorrússia é um dos poucos países da ex-URSS que manteve um caráter “soviético” na política interna: as fábricas e as fazendas coletivas continuam a funcionar e a produzir. Apesar da abundância de capital, a economia nacional ainda opera “de acordo com os planos de desenvolvimento”, ou seja, a economia é planificada. O que está acontecendo é uma lenta privatização da propriedade estatal sob controle do Estado.
Além da própria agricultura, a indústria de transformação tem sido importante na República desde a época da URSS – ou seja, as matérias primas são fornecidas pela Rússia. Este fator torna a Bielorrússia frágil e dependente da Rússia. O presidente Lukashenko deu passos no sentido da “independência econômica” do país em relação ao capital russo na última década. Esse processo culminou com a não renovação dos contratos de importação de petróleo russo em janeiro de 2020.
Alexander Lukashenko está no poder desde 1994 e concorreu para o seu sexto mandato. Diversas vezes, o Kremlin fez campanha contra Lukashenko nas eleições presidenciais. Em particular, nas eleições de 2010, o canal russo NTV transmitiu o documentário “O Padrinho”, recheado de críticas imperialistas pró russos e de calúnias contra a Bielorrússia e Lukashenko. No lançamento de sua campanha eleitoral em 2020, Lukashenko havia denunciado uma “interferência russa”. Por sua parte ele iniciou dois processos penais contra a filial russa da gigante Gazprom na Bielorrússia (um quase-estado dentro do Estado na Rússia, acima da lei), o que ajudou a atiçar o conflito com a Rússia.
As eleições presidenciais na Bielorrússia têm geralmente dado origem a manifestações contra o presidente. As que ocorrem este ano denunciam a irregularidade dos resultados e têm sido realizadas em muitas cidades.
Greves nos setores-chave
A partir de 11 de agosto, os trabalhadores entraram em greve nas grandes empresas do país. Eles organizaram piquetes em frente às fábricas convocando os demais colegas a aderirem: “Saiam! Juntem-se a nós!” As assembleias e manifestações se multiplicaram.
Na segunda-feira, 17 de agosto, um apelo à greve geral nacional agrupou trabalhadores de quase quarenta empresas em todo o país. Lukashenko foi ao seu encontro – fato raro – o que atesta a preocupação das autoridades com a situação. Rapidamente interrompido pelos gritos de “Fora!”, o presidente abandonou o microfone debaixo de vaias.
O futuro da Bielorrússia?
Não é possível saber hoje o desfecho deste enfrentamento. Diversos elementos são importantes e fundamentais nesta situação: a Rússia que busca “engolir” a Bielorrússia e o fato de que uma grande parte das forças de produção da Bielorrússia estão nas mãos do Estado, havendo uma batalha pelo seu controle. Muitos gostariam de ter participação nos ganhos da privatização dos bens do povo bielorrusso, em particular os capitais russos perante os quais o regime bielorrusso é vulnerável.
E assim, questões importantes se colocam: qual é a força do regime político da Bielorrússia? As manifestações irão cessar quando Lukashenko deixar oficialmente a presidência?”