O filme “Argentina, 1985”

Lançado em 2022, o filme dirigido por Santiago Miltre está disponível em plataforma streaming. Nele, desenvolve-se o tenso processo no qual o alto escalão militar da ditatura (1976-83), como Videla e outros, vai à julgamento na justiça civil. O filme retrata o momento após as eleições diretas de 1983, quando cresce a exigência de punição. É revogada a autoanistia dos militares e se inicia o processo do julgamento com a promotoria coletando depoimentos e provas numa corrida contra o tempo frente a ameaças e pressões institucionais para salvar os criminosos.

Essa luta por memória e justiça na Argentina ocorre num contexto de crise na década de 1980 com alta da inflação, carestia, aumento da pobreza e mobilizações de massa. Esse caldo abala os alicerces das ditaduras bancadas pelos EUA na América Latina. No Uruguai, em 1983, a ditadura é derrotada no plebiscito por uma reforma constitucional. Já no Brasil, em 1979, as greves operárias, da qual nascem o PT e, depois a CUT, abrem o caminho para as Diretas Já. Esse pano de fundo, da mobilização popular, foi o fator decisivo na Argentina para que se impusesse às instituições o julgamento e punições inéditas da cúpula das Forças Armadas.

Certamente, o registro do protagonismo das ruas permitiria ver o movimento vivo da luta de classes, sem o qual não haveria tal desfecho. O que, evidentemente, não tira o mérito e a qualidade do filme que é dramaticamente atual, em especial para o Brasil. Aqui, não houve punição dos militares com o fim da ditadura. Pelo contrário, a Lei da anistia (1979) os absolveu e, ainda, foi ratificada pelo STF em 2010. Sem uma reforma estrutural, veio o golpe que pariu Bolsonaro e acentuou a tutela militar com o agigantamento da militarização do Estado.

O grito do “sem anistia” na posse de Lula é a exigência de hoje e de ontem, não tem nada de pacificar, sobretudo após a conspiração de 8 de janeiro que, no andar das investigações, não chegou aos generais. A luta deve seguir, porque, cedo ou tarde, as ruas voltarão mais fortes.

Na história, como retrata o filme, não se perdoa o imperdoável.

Paulo Riela

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