Vários generais estadunidenses aposentados, um ex-embaixador dos EUA em Moscou e diversas personalidades publicaram um apelo no The New York Times em 16 de maio. Publicamos trechos desse apelo.
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia tem sido um desastre absoluto. Centenas de milhares de pessoas foram mortas ou feridas. Milhões foram deslocados. A destruição ambiental e econômica tem sido incalculável. A devastação futura poderá ser exponencialmente maior à medida que as potências nucleares se aproximam cada vez mais de uma guerra aberta.
Lamentamos a violência, os crimes de guerra, os ataques indiscriminados com mísseis, o terrorismo e outras atrocidades que fazem parte dessa guerra. A solução para essa violência chocante não é mais armas ou mais guerra, a garantia de mais morte e destruição.
Como americanos e especialistas em segurança nacional, instamos o presidente Biden e o Congresso a usar todo o seu poder para terminar rapidamente a guerra entre a Rússia e a Ucrânia por meio da diplomacia, especialmente em vista dos graves perigos de uma escalada militar que poderia tornar-se incontrolável. (…)
Rejeitamos a ideia de que os diplomatas, em busca da paz, devam escolher um lado, neste caso, o da Rússia ou da Ucrânia. Ao favorecer a diplomacia, escolhemos o lado da razão. Da humanidade. Da paz.
Vemos a promessa do presidente Biden de apoiar a Ucrânia “pelo tempo que for necessário” como uma licença para buscar objetivos mal definidos e, em última análise, inatingíveis. Isso pode ser tão catastrófico quanto a decisão do presidente Putin, no ano passado, de lançar sua invasão e ocupação criminosas. Não podemos e não iremos endossar a estratégia de combater a Rússia até o último ucraniano.
Defendemos um compromisso sério e genuíno com a diplomacia, em especial um cessar-fogo imediato e negociações sem precondições desqualificantes ou proibitivas. Provocações deliberadas causaram a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Da mesma forma, uma diplomacia deliberada pode pôr fim a ela.
As ações dos Estados Unidos e a invasão da Ucrânia pela Rússia
Com o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, os dirigentes dos EUA e da Europa Ocidental garantiram aos líderes soviéticos, e depois russos, que a Otan não se expandiria até as fronteiras da Rússia.
“Não haverá extensão da Otan nem uma polegada para o leste”, disse o Secretário de Estado dos EUA, James Baker, ao líder soviético Mikhail Gorbachev em 9 de fevereiro de 1990. Garantias semelhantes de outros dirigentes estadunidenses, bem como de líderes britânicos, alemães e franceses ao longo da década de 1990 confirmam isso.
Desde 2007, a Rússia tem advertido repetidamente que as forças armadas da Otan nas fronteiras da Rússia são intoleráveis – assim como as forças russas no México ou no Canadá seriam intoleráveis para os Estados Unidos hoje, ou como os mísseis soviéticos em Cuba o foram em 1962. A Rússia também apontou a expansão da Otan na Ucrânia como particularmente provocativa (…).
Mais uma vez, mesmo depois do fim da Guerra Fria, diplomatas, generais e políticos dos EUA alertavam sobre os perigos da expansão da Otan para as fronteiras da Rússia e de interferir maliciosamente na esfera de influência da Rússia. Ex-funcionários do gabinete Robert Gates e William Perry fizeram essas advertências, assim como os venerados diplomatas George Kennan, Jack Matlock e Henry Kissinger. Em 1997, cinquenta importantes especialistas estadunidenses em política externa escreveram uma carta aberta ao Presidente Bill Clinton aconselhando-o a não expandir a Otan, chamando a decisão de “um erro político de proporções históricas”. O presidente Clinton optou por ignorar esses avisos.
O mais importante para entender a arrogância e os cálculos maquiavélicos na tomada de decisão dos EUA sobre a guerra Rússia-Ucrânia é a rejeição dos avisos emitidos por Williams Burns, o atual diretor da Agência Central de Inteligência. Em um telegrama enviado à secretária de estado Condoleezza Rice em 2008, quando era embaixador na Rússia, Burns falou sobre a expansão da Otan e a adesão da Ucrânia. (…).
Por que os Estados Unidos persistiram em expandir a Otan apesar dessas advertências? O lucro com a venda de armas foi um fator fundamental. Diante da oposição à expansão da Otan, um grupo de neoconservadores e altos executivos de fabricantes de armas formaram o comitê dos EUA para expansão da Otan (US Committee to Expand NATO). Entre 1996 e 1998, os maiores fabricantes de armas gastaram 51 milhões de dólares (94 milhões hoje) em lobby e outros milhões em contribuições para campanhas eleitorais. Graças a essa generosidade, a expansão da Otan tornou-se rapidamente um negócio fechado, após o que os fabricantes de armas dos EUA venderam bilhões de dólares em armas para os novos membros da Otan.
Até agora, os Estados Unidos enviaram à Ucrânia 30 bilhões de dólares em equipamentos militares e armas, com uma ajuda total à Ucrânia superior a 100 bilhões de dólares. A guerra, já foi dito, é um negócio altamente lucrativo para alguns poucos privilegiados.
A expansão da Otan, em resumo, é um elemento-chave da política externa militarizada dos Estados Unidos, caracterizada pelo unilateralismo, mudança de regimes e guerras preventivas. As guerras fracassadas, mais recentemente no Iraque e no Afeganistão, levaram a massacres e novos confrontos, uma dura realidade criada pelos próprios Estados Unidos. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia abriu uma nova arena de confrontos e matanças. Essa realidade não é inteiramente de nossa autoria, mas pode muito bem ser nossa ruína, a menos que nos dediquemos a buscar uma solução diplomática que ponha fim aos massacres e alivie as tensões.
Vamos fazer dos Estados Unidos uma força para a paz no mundo.