Publicamos a seguir entrevista concedida por sindicalista nigerino ao jornal francês Informations Ouvrières, poucos dias após o golpe que depôs o então presidente do Níger, Mahomed Bazoum, o qual recebeu manifestação massiva de apoio do povo.
Em 26 de julho, um golpe de estado de um braço do exército se desenvolveu no Níger. O que aconteceu, o que reivindicam os organizadores do golpe e quais são as reações da população?
Efetivamente, na madrugada de 26 de julho, os acontecimentos se desenvolveram em Niamei, capital do Níger, e se transformaram em golpe de estado militar. Durante a noite, um grupo de militares declarou na televisão em rede nacional ter posto fim ao regime da 7ª República e criado um novo organismo: o Conselho Nacional pela Salvaguarda da Pátria (CNSP). Nessa primeira declaração, asseguraram respeitar todos os compromissos internacionais assumidos pelo Níger, assim como os direitos civis e humanos, e a proteção da integridade física das autoridades depostas.
No dia seguinte, houve cenas de alegria em Niamei, Dosso e Tillabéry. Centenas de pessoas saíram às ruas para apoiar o golpe contra Bazoum. Na sexta-feira, 28, o general Abdourahman Tiani, presidente do CNSP, tomou a palavra para anunciar preocupações que fazem eco às legítimas aspirações dos nigerinos: a corrupção, a impunidade, a má gestão da crise de segurança, as libertações extrajudiciais de terroristas, os recrutamentos de milícias que recebem ordens políticas sem qualquer respeito pelo regulamento militar. Ele evocou igualmente a falta de cooperação com Burkina Fasso e o Mali, países com os quais o Níger partilha as suas fronteiras na zona do Liptako, perigosamente afetada pelo problema da insegurança. Denunciou a ausência de resultados dos “parceiros” do Níger na luta contra o terrorismo, apesar dos discursos proferidos pelos meios políticos nacionais e internacionais. Por exemplo, ele questionou: como entender a frota que foi implantada no nível de Niamei enquanto bandidos que andam de moto continuam a cometer crimes a 40-50 quilômetros da capital? Finalmente, no domingo, os nigerinos saíram em massa para a rua — quase 4 milhões de pessoas – para apoiar as declarações do CNSP e também para dizer que não aceitaremos que a França, a pretexto da luta contra o terrorismo, intervenha militarmente nos assuntos do país.
O Níger ocupa uma situação estratégica para a França. Ex-colônia, seu presidente Bazoum é um parceiro fiel de Paris. O país acolheu os militares franceses retirados do Mali e de Burkina Fasso, de onde foram expulsos, e o urânio extraído no seu território assegura “a independência energética” da França. Este golpe põe em risco a natureza da relação França-Niger?
Em relação às bases estrangeiras, é preciso dizer que vão deixar o Níger, da mesma forma que deixaram o Mali e Burkina Fasso. Isso não é negociável, temos nossos próprios exércitos. Bases nigerinas na França ou nos Estados Unidos, você vê que isso não seria possível! Então, a partir do momento em que se instalaram à força nos nossos países e as populações, ao constatar que não há nenhum resultado, pedem a sua saída, não tem escolha essas bases, têm de ir embora.
O essencial é pôr fim à insegurança e estes “parceiros” são incapazes de conseguir isso. Mais de 800 escolas estão fechadas na região de Tillabéry. Mais de 72 mil alunos não vão à escola. Milhares de pessoas deslocaram-se durante esta época agrícola, enquanto deveriam permanecer em casa para cultivar o seu campo para produzir o que lhes permitirá viver nos próximos nove meses. E foi durante esse período que as populações foram deslocadas, o que significa que não vão trabalhar nos seus campos e serão vítimas da insegurança alimentar. No que diz respeito às relações de parceria com o comércio de urânio, não domino o conteúdo dos acordos entre as duas partes, mas se as novas autoridades consideram que não melhoram o Níger, podemos solicitar a sua revisão. São mais de 50 anos de explorações de urânio no Níger pela França, e até mesmo na capital, Niamei, a cobertura de eletricidade das moradias não está completa! Isso é um problema. É preciso saber que nós somos os donos dos recursos. Se não conseguirmos encontrá-lo, podemos solicitar uma revisão, ou mesmo interromper esses acordos. O Níger é um Estado soberano.
Nessa situação, o que declaram os sindicatos?
No nível das centrais sindicais, publicamos um comunicado que registra as preocupações levantadas nas declarações e alertamos as chancelarias estrangeiras sobre qualquer intervenção nos assuntos do nosso país. As medidas que Macron está tomando são muito preocupantes para nós. Ele quer convocar um conselho de segurança na França sobre uma questão nigerina e se apoia na União Africana e na Cedeao [Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental] para considerar uma intervenção militar no Níger.
O povo francês sabe realmente o que Macron está fazendo na África? Isso é guerra contra o terrorismo? Quando pedimos que saia, se revelam como forças de ocupação. Macron tenta enganar a opinião francesa falando de sentimentos antifranceses. Isso é falso, nós apreciamos os franceses, mas odiamos o sistema de destruição de nosso país. O regime de Bazoum foi vomitado, assim como foi o regime imperialista no Mali, em Burkina Fasso, ou na Guiné.
Portanto, é uma marcha irreversível, e é preciso compreendê-la nesse sentido. As organizações sindicais permanecem atentas, sem um apoio cego. Se tentarem desviar-se dos princípios que enunciaram na sua declaração, não estaremos de acordo. E é preciso saber que nunca mais aceitaremos que o nosso país seja refém de ninguém. Essa é uma mensagem que deve ser muito clara.
Tradução ao português: Leonardo Ladeira
Moção em apoio ao povo, às trabalhadoras e aos trabalhadores do Níger
Comitê Internacional de Ligação e Intercâmbio (Cili)
África, 3 de agosto
Valoroso povo trabalhador do Níger! Há vários dias vocês têm respondido ao chamado da história do seu país contra o imperialismo e seus prepostos locais na sub-região da África Ocidental. O Comitê de Ligação e Intercâmbio da África (Cili-África) está firmemente ao seu lado, de acordo com seu princípio fundamental que condena a ingerência política e militar do imperialismo e de seus serviçais.
Em consonância com a mensagem do Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AcIT) de 31 de julho de 2023, relativa à situação atual do Níger, o Cili-África reafirma, aqui e agora, que cabe ao Povo do Níger decidir, com toda a soberania, sobre seu futuro!
Nesse contexto, o Cili-África condena as sanções criminosas impostas pela Cedeao, que penalizam não as “elites” do Níger, mas as populações desse país, as principais vítimas. É possível afirmar que se ama um povo e ainda assim querer estrangulá-lo?
É por isso que o Cili-África:
1) Protesta contra as ameaças de intervenções militares diversas, incluindo as dos governos dos Estados Unidos e da França, sob a falsa bandeira da Cedeao;
2) Incentiva o povo e os trabalhadores do Níger a continuar sua resistência; e
3) Congratula-se com as medidas legítimas que vierem apoiarem, a fim de assegurar o progresso econômico e social de seu país.
Honra e dignidade aos trabalhadores e ao povo do Níger!
Comitê Internacional de Ligação e Intercâmbio Cili-África