Colômbia: do 21 de abril ao 1º de Maio de 2024

A política é dinâmica dizem os entendidos, foi o que ficou demonstrado nas duas mobilizações mais recentes, a de 21 de abril convocada pela coalizão da extrema uribista (1) e seus aliados da direita, com o concurso da extrema direita e centro do Partido Verde, e, de outro lado, a do 1º de Maio, convocada pelo presidente Gustavo Petro em aliança com as principais centrais sindicais do país e as organizações sindicais e populares.

Os objetivos de ambas eram claramente contrastantes, os convocantes do 21 de abril – vale dizer, o sistema com todos os seus apêndices, os partidos que controlam o poder político majoritário no Congresso, as corporações que ostentam o poder econômico com todas as suas associações e arsenais midiáticos, setores sindicais minoritários, alguns só de carimbo financiados pela patronal, seitas religiosas alavancadas pelo capital privado, o “uribato”, as EPS (2) que financiam campanhas políticas dos partidos da corrupção e seus candidatos e candidatas ao Legislativo, levantaram as bandeiras que permitiram que eles se agrupassem numa frente única contra o governo no Congresso da República, para derrotar todas as reformas sociais – da saúde, trabalhista, de pensões, da justiça etc – impedir que Petro possa governar e avançar na realização de seu programa progressista para a mudança, demonstrar que é incapaz de governar e, contra toda evidência, sustentar que ele leva o país ao abismo. Tudo com o propósito principal de semear ódio contra o presidente. Não por acaso, as principais palavras de ordem agitadas pelos animadores foram as de “Fora Petro! Vá embora Petro! Morte a Petro!”. Aquelas contra as reformas sociais foram intencionalmente silenciadas.

No 1º de Maio, Gustavo Petro, as centrais operárias e os movimentos sociais, com o apoio da RTVC e da cadeia de radiodifusão pública, convocaram a classe trabalhadora, operários, camponeses, indígenas, feministas, afrocolombianos, LGBTIQ+, vendedores ambulantes, juventudes, ação comunal, professores e professoras, enfim, a população empobrecida que foi submetida durante séculos à exclusão, à marginalidade e pobreza, com o apoio das redes sociais, além de agitar as consignas libertárias próprias do Dia Internacional da classe trabalhadora, anti-imperialistas, pela recuperação dos direitos que foram tomados por regimes neoliberais, de solidariedade com o povo palestino, contra o genocídio nazi-sionista; foi claro o seu objetivo de apoio às reformas sociais e democráticas que tramitam no Congresso e de respaldo ao governo.

Assim, ficou nítido o contraste de classes sociais que compareceram às duas marchas. Na de 21 de abril, que sem dúvida foi forte em Bogotá, Medellín, Cali, Barranquilla e Bucaramanga, menos numerosa em outras 14 cidades, mas amplificada pelos meios corporativos, estavam principalmente as classes altas e médias altas, trabalhadores de empresas privadas pressionados e levados pelos patrões, segundo dizem, caminhoneiros e condutores duramente afetados com as altas dos combustíveis, e gente de setores populares, fanáticos fiéis sem causa do uribismo. Há que se reconhecer que se uniram à marcha, sem ser uribistas e nem claramente opositores ao governo, setores de empregados estatais, funcionários e professores das universidades públicas que se sentem ameaçados com a reforma das aposentadorias, porque, com o teto de 2.3 salários mínimos, passariam obrigatoriamente a ser filiados a um fundo privado, o que causaria grave diminuição de seu benefício mensal na hora de aposentar-se. Se somaram também setores minoritários de médicos e profissionais de saúde que foram enganados com o suposto manual de tarifas, filtrado pela mídia, aparentemente elaborados pelo Ministério da Saúde. Apesar da grande assistência, a cobertura nacional da marcha foi reduzida, mas acompanhada por setores sociais, não uribistas, desencantados pela ausência de resultados positivos em matéria de reformas, fruto da sabotagem por parte da frente única das bancadas opositoras, bem como pelos escândalos de corrupção que começaram a ser conhecidos (o dos carros tanques) além dos exíguos resultados nas eleições de governadores e prefeitos.

A resposta do 1º de Maio
A marcha do 1º de Maio foi uma apoteótica demonstração das multidões nas ruas das capitais departamentais e de maís 37 cidades, centenas de milhares de homens e mulheres em todo o território nacional tomaram as ruas e praças públicas. Eu assisti, desde a minha adolescência, militantemente durante 60 anos as marchas do 1º de Maio em Bogotá e devo confessar que não há antecedente das multidões que atenderam ao chamado do presidente nesta oportunidade para defender o programa democrático prometido e ratificar sua adesão e respaldo. Petro em seu discurso disse: “Há alguns dias vieram uns senhores e encheram esta praça; nós enchemos a praça e todo o centro de Bogotá”. A multidão era operária e popular, trabalhadores e trabalhadoras, indígenas, negros, camponeses, vinda dos bairros e comunas, juventudes trabalhadoras e estudantis, aqueles e aquelas “ninguém” de que falava a vice-presidente Francia Márquez.

O contraste político e cultural entre as duas marchas também foi notório, enquanto na do 21 de abril se promovia a raiva, o ódio, a violência e o repúdio ao presidente Petro, o que a converteu numa marcha lúgubre, de luto, de caixões e morte, a do 1 de Maio foi a marcha da alegria, do folclore, o colorido, os batuques, a esperança e o amor, a democracia e o internacionalismo solidário. É o que expressaram as palavras de ordem: “Te queremos Petro!”, “Petro não se vai, ele fica! ”, “Sim para a Paz ”, “Reforma da saúde já ”, “Reforma trabalhista já” , “Viva a Palestina livre”, “fim do genocídio do povo palestino”, entre muitas outras. Sem deixar de reconhecer a importância do 21 de abril, não há dúvida que o braço de ferro pelo controle das ruas foi ganho por Petro e os setores populares que apoiam e ratificam a esperança no programa progressista e democrático de mudança. Todas as pesquisas que davam conta da queda de popularidade do presidente caíram no ridículo.

Os e as participantes do 21 de abril demonstraram absoluto desconhecimento dos benefícios das reformas sociais, só gritavam palavras de ordem de ódio contra o governante, enquanto que, em contraste, os e as manifestantes do 1º de Maio agitaram consignas de respaldo às reformas, sobre as quais expressaram amplo saber e conhecimento de seu conteúdo, além de apoio ao governo.

O discurso do presidente foi memorável e de especial projeção internacionalista ao anunciar num tom especial: “Lhes informo que a partir de amanhã romperemos relações diplomáticas com Israel” e condenou o genocídio do povo palestino pelas mãos do regime nazi-sionista do criminoso Netanyahu. Com esta declaração o mandatário se colocou do lado certo da história, se alinhou com as centenas de milhares de estudantes de mais de uma centena de universidades dos Estados Unidos que acamparam em seus respectivos campus para solidarizar-se com a Palestina e exigir do hipócrita governo Biden suspender as ajudas econômicas e militares ao criminoso governo sionista e genocida; assim como ao lado dos povos do mundo que se mobilizam contra o genocídio e pela liberdade do povo palestino.

Notas
1 – Uribismo, relativo aos partidários de Álvaro Uribe, ex-presidente da Colombia, direitista e pró-EUA, o mesmo vale para a expressão “uribato”, domínio dos uribistas..
2 – EPS, sigla de Entidade Promotora de Saúde, gestora privada do sistema de saúde na Colômbia.


Por José Arnulfo Bayona,
Membro da Rede Socialista de Colômbia
Publicado em larosaroja.org, 7 de maio de 2024

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