Acordo Coletivo Especial (ACE): um projeto contra os direitos dos trabalhadores

Em setembro de 2011, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista entregou ao governo federal um projeto chamado Acordo Coletivo Especial (ACE), elaborado a partir de seminários realizados com especialistas e as entidades patronais, a Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Segundo seus autores, o projeto visa “modernizar as relações de trabalho” no Brasil, portanto diz respeito ao conjunto da classe trabalhadora brasileira, um “divisor de águas no mundo do trabalho”, como dizem os próprios proponentes.

O projeto, que não foi submetido à discussão na Central Única dos Trabalhadores durante sua elaboração, está em estudo no governo federal, para posterior tramitação no Congresso Nacional (1).

No 11º Congresso Nacional da CUT (julho de 2012), os delegados identificados com o texto de contribuição ao debate “CUT independente e de luta”, apresentaram uma resolução que propunha: 

Suspender a tramitação do PL do Acordo Coletivo Especial

Uma questão que praticamente não foi discutida nos Congressos Estaduais da CUT foi a proposta, de iniciativa da direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de um Projeto de Lei que criaria o Acordo Coletivo com Propósito Específico, também chamado de Acordo Coletivo Especial (ACE).

A proposta é que em determinadas empresas, onde existir comissão de fábrica e um nível de sindicalização maior que 50%, aquilo que for negociado entre as partes pode prevalecer sobre a lei. É o que estabelece o artigo 16 do Anteprojeto publicado pelos proponentes.

Tal tipo de acordo seria de adesão voluntária por parte das empresas, que através da grande imprensa a vem elogiando, pois poderia melhorar a sua competitividade. O problema é que, uma vez enviada como Projeto de Lei ao Congresso Nacional, todas as “condicionantes” que ela traria, podem cair por terra e só sobrar o que interessa aos patrões: o que for acordado numa negociação por empresa vale mais do que o estabelecido na CLT.

Pensamos que, independentemente da intenção dos proponentes, isso abre uma situação perigosa, um precedente para que “o negociado prevaleça sobre o legislado”, abrindo a porta para a flexibilização de direitos (pois a Lei é o patamar mínimo e nada impede que através de negociação coletiva se obtenha mais, seja numa convenção ou num acordo coletivo).

Por isso propomos que o CONCUT adote uma resolução que proponha a suspensão da tramitação deste PL, que a imprensa anuncia que está em vias de ocorrer, para que a discussão de seu conteúdo seja feita com o conjunto do movimento sindical cutista.

 A resolução, com cerca de 30% de votos dos delegados (a maioria da base da corrente majoritária na CUT, a Articulação Sindical), não foi aprovada. Ao rejeitá-la, o congresso não adotou posição sobre o mérito do projeto. A CUT não tem, portanto, posição de instância sobre o assunto.

O presidente da CUT, Vagner Freitas, em texto publicado no site da central em 25 de setembro, rebatendo matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, escreve que a proposta está “em construção e debate dentro da CUT” e que “pela tradição democrática da CUT preferimos estabelecer e esgotar o debate antes de chegarmos a conclusões definitivas”.

Não há conclusões definitivas, mas o projeto que estaria em construção, foi novamente entregue ao governo, agora pelas centrais, em audiência com o Secretário Geral da Presidência, Gilberto de Carvalho, em 15 de agosto, como registra o site da CUT Durante a reunião, a CUT e as centrais apresentaram ao Governo dois projetos: o ACE – Acordo Coletivo Especial e o Programa Nacional de Estabilização e Manutenção do Emprego”. Nessa reunião “ficou estabelecido que a Secretaria-Geral vai montar um cronograma de reunião com as centrais sindicais para aprofundar a discussão dos seguintes temas: Acordo Coletivo Especial (ACE)...” (site da Secretaria-Geral da Presidência).

 No mesmo texto citado acima, Vagner Freitas defende o ACE, é sua posição, explicando que ele não flexibiliza a CLT, mas trata do “aperfeiçoamento e modernização da Lei”, comparando, inadvertidamente, em nossa opinião, o ACE ao “Contrato Coletivo Nacional e Protocolos de Livre Adesão, como o da cana de açúcar e o da construção civil”.

Ora, o ACE não é um contrato nacional, para estabelecer “regras claras e rígidas, que protejam os trabalhadores,” como se buscou fazer na construção civil e cana de açúcar. O ACE estabelece o “Acordo Coletivo de Trabalho Específico”, feito por empresa, para estabelecer “condições específicas de trabalho, aquelas que, em decorrência das especificidades da empresa e da vontade dos trabalhadores, justificam adequações nas relações individuais e coletivas de trabalho e na aplicação da legislação trabalhista”. Condições “específicas”, em decorrência das “especificidades da empresa”, que permite que não se respeitem condições de trabalho previstas na lei.

É o que buscamos demonstrar com essa publicação.

 Uma proposta que afetará as relações trabalhistas no Brasil – mesmo se em suas especificações ele é restrito a determinados tipos de empresas e com condições para ser implantado (2) – tal projeto não é do conhecimento e não passou por discussão nos sindicatos, federações e confederações filiados à central. Foi o que atestou a intervenção de um dirigente bancário de São Paulo, no 11º CONCUT, ao abster-se da votação da resolução, explicando ao plenário que tal discussão nunca fora feita com o ramo financeiro da central, no que não foi contestado.

 A discussão deve ser feita.

 Numa coisa os autores do projeto têm razão: se adotado, o ACE será um “divisor de águas no mundo do trabalho”. O problema é: em benefício de quais interesses?

 O ACE, elaborado em parceria com os patrões, visa “conciliar interesses”, e resultaria em que o negociado entre a empresa e o sindicato – através do Comitê Sindical de Empresa – prevaleça sobre o legislado, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em nossa opinião, uma arma nas mãos da classe capitalista.

É por essa razão que o ACE é unanimidade entre porta-vozes dos patrões, numa entusiasmada torcida para que o projeto vire realidade. Essa não é a primeira vez que tal tentativa ocorre.

 Pelas mãos de outros autores, já se tentou flexibilizar a CLT, sob o argumento, agora retomado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, da necessidade de “modernizar” as relações de trabalho no Brasil, que estariam “engessadas” pela CLT.

Na apresentação da proposta do Acordo Coletivo Especial, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC diz: “As regras do jogo democrático permitem seu desenvolvimento num patamar superior, onde uma parte não busca anular a outra. Existem responsabilidades e compromissos que são de todos, com vistas a atingir objetivos civilizatórios universais”.

A CUT nasceu como expressão, no terreno sindical, da delimitação irreconciliável entre os interesses da classe trabalhadora e os capitalistas. “Objetivos civilizatórios universais” entre explorados e exploradores, que nunca existiram, é uma armadilha que a classe capitalista usa para comprometer as organizações dos trabalhadores com as medidas necessárias para sua sobrevivência, a primeira delas, diante da situação de crise, promover uma nova onda de destruição das forças produtivas, a começar pela destruição dos direitos dos trabalhadores.

 “Diálogo social”, “governança”, “sindicato cidadão”, são acordes de uma mesma sinfonia que agrada os ouvidos dos exploradores, movidos pela necessidade objetiva de ampliar a exploração do trabalho, para dar sobrevida ao seu regime em crise.

As massas lutam para sobreviver e buscam suas organizações. Na crise econômica e política, o imperialismo, diante da brutalidade de suas medidas, quer neutralizar as organizações criadas pelos trabalhadores, comprometendo-as com seus interesses.

Com essa publicação, alertamos para os perigos que representa o ACE – pelos seus pressupostos e pelo projeto em si – e para a necessária luta que a CUT está chamada a desenvolver em defesa dos direitos que, não apenas no Brasil, mas em todo mundo, são alvos da ofensiva patronal para preservar seus lucros, diante da crise do sistema capitalista. Uma ofensiva que só pode se viabilizar anulando o papel dos sindicatos como organização elementar na luta dos trabalhadores por suas reivindicações, transformando-os em linha auxiliar na aplicação de políticas contrárias aos interesses da classe trabalhadora.

 Frente à crise mundial, também no Brasil a palavra de ordem dos organismos internacionais que representam o imperialismo é a “redução do custo país”, a senha da burguesia para atacar direitos e conquistas da classe trabalhadora e a própria nação. 

Convidamos todos os sindicalistas e sindicatos a fazerem o debate e organizarmos a luta: não ao ataque aos direitos, não ao Acordo Coletivo Especial!

 São Paulo, setembro de 2012

Comissão Operária da Corrente O Trabalho

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