O que os indígenas teriam que “conciliar” no STF?

Há uma brutal escalada na violência contra os povos indígenas no país, revelou o relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) sobre 2023. Só no primeiro semestre o índice foi 60% maior que no ano anterior, conforme dados registrados na reportagem da página 8 desta edição. É produto da ação de grileiros e latifundiários, com destaque para madeireiros e garimpeiros, que lançam o terror com bandos armados contra as comunidades indígenas. A impunidade segue como marca, assim como a falta de recursos aos órgãos de fiscalização como Funai, Ibama e ICMBio. A violência vem da cobiça do agronegócio, do garimpo e da mineração nacional e internacional pelas terras indígenas.

E elas ainda estão sob ameaça do Marco Temporal, que volta à cena. A tese absurda de que os povos originários do país só têm direito de reivindicar as terras que ocupavam ou reclamavam até a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, antes refutada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi ressuscitada pelo Congresso Nacional e deve ser votada em outubro.

Ocorre que recentemente o próprio STF, na figura do ministro Gilmar Mendes, estabeleceu uma “comissão de conciliação” para rediscutir e decidir sobre o assunto. Sem apreciação do plenário ele suspendeu todas as ações na Justiça que tratam do tema e propôs que tal comissão chegue a um acordo. Terão representantes o Congresso, o governo federal, os estaduais, prefeituras e…a Articulação dos Povos Indígenas (Apib). Quanta equidade!

Mas que negociação é possível entre um direito fundamental dos indígenas e os representantes daqueles que o violam?

Em artigo à Folha de SP em 24/7 o professor de direito constitucional Conrado Hubner chamou oportunamente de “transação” e de “constitunegocialismo” o verdadeiro balcão de negócios no STF. A revelia da Constituição e de um direito previsto nela, da qual o STF é “guardião”, se colocaria em uma mesa os invadidos e assassinados com os invasores e assassinos para negociar até onde o latifúndio pode invadir, até onde os indígenas aceitam perder suas terras. O balcão do STF convida a barganhar direitos, ao invés de aplicar a lei, que deveria ser o seu papel.

É de nascedouro a representação do velho latifúndio nas instituições brasileiras. Desde a Colônia, o Império, até a República. Desde os senhores de engenho escravocratas, os coronéis da Monarquia e da República Velha, aos representantes do agronegócio de hoje. São essas instituições que, desde sempre, servem a esses e a outros inimigos do povo e da nação. São elas, em estado de putrefação avançado, as travas para que se estabeleça a paz e uma verdadeira democracia no Brasil.

Nos 19 meses de governo não faltaram manifestações e marchas dos indígenas exigindo demarcação de terras e contra o marco temporal. Luis Ventura Fernández, secretário-executivo do CIMI afirmou: “o novo/velho governo Lula ficou, em seu primeiro ano de estrada, muito aquém do esperado; ou melhor, muito aquém do prometido.”

Não basta ter subido a rampa com o cacique Raoni, como fez Lula em sua posse. São os direitos fundamentais dos indígenas e o seu próprio direito de existir que estão em jogo. Com essas instituições e quem elas representam não é possível conciliar. Ou se governa para elas, ou se as enfrenta e se governa para o povo.

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