“Netanyahu quer fazer no sul do Líbano o mesmo que faz em Gaza. Ele zomba dos civis e usa o Hezbollah como pretexto”

Entrevista de Charbel Chaaya, estudante de direito em Beirute, membro da associação Mada (que agrupa nos “clubes laicos” dentro das universidades, jovens libaneses de todas as comunidades e confissões)

Charbel Chaaya: No sul, os libaneses têm medo, fogem em massa de suas casas, porque sabem muito bem que a ocupação israelense não faz diferença entre as pessoas. Eles temem uma expansão regional. A maioria dos libaneses quer um cessar-fogo, que a guerra termine. 

O Estado de Israel saiu do quadro do seu conflito com o Sul, que considera uma zona de perigo e que ele cobiça.  Houve bombardeios em Beirute, no Bekaa, no Monte Líbano, em zonas onde o Hezbollah não está organizado. Tudo isso acontece em um contexto econômico muito difícil. Há muita pobreza, a classe trabalhadora está cada vez mais pobre e as pessoas não sabem para onde ir.

Charbel Chaaya: Há uma divisão no Líbano, em toda a sociedade e nas próprias comunidades, inclusive entre os xiitas. A divisão não está certamente ligada a qualquer apoio a Israel. Ninguém no Líbano, nenhum cidadão rejeita o Hezbollah por apoiar Israel. O Hezbollah faz parte do sistema político libanês e as desavenças são antigas. Ele teve um papel negativo em 2019 durante o movimento revolucionário no Líbano, onde os jovens rejeitaram o sistema confessional. Mas os debates também se devem à sua reação após o 7 de outubro, inserindo-se no eixo da resistência contra Israel. O debate existe sobre o Hezbollah, como uma organização armada que desempenha um papel importante na política libanesa. 

Tudo isso gerou divisões que não podem ser negadas, que às vezes são legítimas, mas que devem ser discutidas entre os libaneses. Mas tudo isso acontece em um contexto em que não existe um Estado capaz de defender os libaneses. Há uma divisão na ausência de um Estado capaz de defender os libaneses, de proteger a soberania do sul.

“Mas hoje, o que é preciso entender bem é que depois de todos os massacres, os libaneses estão muito unidos, muito solidários.”

Desde terça-feira, especialmente desde o ataque dos pagers, milhares de libaneses doaram seu sangue, todos os libaneses se declararam prontos para receber refugiados em suas casas. É um sentimento muito forte de solidariedade.

Charbel Chaaya: É claro que Netanyahu quer atacar. Hoje, temos mais de 500 vítimas, civis, incluindo mulheres e crianças. Está claro para nós que Netanyahu quer fazer no sul do Líbano o mesmo que faz em Gaza. Ele zomba dos civis e usa o Hezbollah como pretexto. Quer conquistar o sul do Líbano até ao rio Litania porque considera que é uma necessidade econômica e vital para o seu país. 

Ele quer uma guerra regional, também porque tem um problema interno em seu país. Sabe que se a guerra acabar será condenado, responsabilizado pelo que aconteceu no dia 7 de outubro e pelo seu manejo do caso dos reféns, precisa de uma vitória para irradiar no seu país, para vendê-la à sua população.

Hoje, há 500 mortos no Líbano e o número está aumentando. As grandes potências são cúmplices do que está acontecendo. Durante a guerra de 2006, já havia mais de 1000 mortos em um mês.

“As grandes potências, a França, os Estados Unidos, a Alemanha e o Ocidente em geral são cúmplices do massacre. Não se pronunciaram sobre Gaza e estão em silêncio pelo sul do Líbano, o que só pode levar a mais guerras, mais vítimas.”

Os movimentos democráticos do mundo devem se mobilizar para exigir um cessar-fogo, parar o envio armas a Israel, cujo único objetivo é conquistar territórios, o que equivale a massacrar populações inteiras. Nada pode justificar isso.

Também existe divisão dentro dos partidos de esquerda e, embora eles continuem muito solidários com a população do Sul, alguns consideram que o papel do Hezbollah desde 8 de outubro é bastante negativo e que a defesa e proteção do sistema confessional, que é um sistema ligado ao liberalismo, não pode fazer parte da solução. Isto faz parte do debate nas organizações libanesas. 

Para além deste aspecto, consideramos que agora é essencial pôr de lado as divisões e colocar todos os nossos esforços na construção do movimento sindical, na solidariedade, no auxílio mútuo que não faz diferença entre as confissões e comunidades. Hoje corre sangue no Líbano, não há Estado, não há sistema que funcione, então é preciso um movimento de solidariedade, que possa criar alianças populares, comitês nas aldeias, nas cidades, que ajude as pessoas a se organizarem. Deixando claro que Israel está usando o Hezbollah como um pretexto. Temos que ver que mesmo nas aldeias que dizem ser dominadas pelo Hezbollah tem civis, pessoas que não concordam, há uma diversidade e de qualquer forma, nada pode justificar os massacres cometidos pelos israelenses.

Alegar a responsabilidade do Hezbollah, fazer disso um pretexto, é o mesmo que legitimar a agressão, os massacres contra civis. O mais importante hoje é confrontar todos os discursos que legitimam a agressão israelense e defender o objetivo do cessar-fogo. A guerra não resolverá nada, o problema é político.  O problema é a colonização da Palestina, o sionismo, o imperialismo que sustenta um Estado, o de Israel, que ele usa para dominar a região, mesmo que seja à custa do sangue palestino e do sangue libanês. O problema é político e para dar uma resposta, no Líbano, precisamos de unidade, de um Estado que funcione frente a Israel, que busca conquistar uma parte do Líbano e que nos ameaça há mais de 75 anos.

Artigos relacionados

Últimas

Mais lidas