Projeto atinge milhares de meninas vítimas de estupro
No Brasil 4.262 crianças se tronaram mães em decorrência de estupro entre 2011 e 2016. São meninas entre 10 e 14 anos. Para 73% delas, o estupro teve caráter repetitivo e em 68% dos casos a violência se deu no ambiente doméstico.
Já entre adolescentes entre 15 e 19 anos, no mesmo período, o número é ainda maior: 6.201 gestações resultantes de estupro.
São números divulgados por pesquisa do Ministério da Saúde ao final de 2017 e se referem apenas a gravidezes que não foram interrompidas de forma natural ou induzida.
Atualmente a lei dá a essas meninas o direito ao aborto. No Hospital Pérola Byngton, centro de referência em saúde da mulher em São Paulo, dos 705 abortos realizados entre 1995 e 2008, 27% foram em meninas de 12 a 17 anos.
Mas o número de abortos realizados no SUS mostra que, tanto para crianças e adolescentes, como para mulheres em geral, a maior parte de gravidezes interrompidas acontece de forma clandestina, insegura, e fora das estatísticas. .
Em 2014, um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) chegou a conclusão que 81,4% das adolescentes vítimas de violência sexual não realizaram o aborto pelo SUS. Entre as mulheres adultas o número também é alto, 67,4%.
Retrocesso piora ainda mais a situação
É essa imposição de sofrimento e de risco à vida de meninas e mulheres que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de número 181 quer piorar ainda mais. Se ela for aprovada, fica proibido, na Constituição, o aborto em qualquer caso!
Mesmo nos casos em que a gestante tenha sido estuprada, como é em 94% dos abortos legais realizados no Brasil. Mesmo nos casos em que uma criança de menos de 14 anos tenha sido estuprada e vá precisar abandonar seus estudos, cuidar de outra criança. Mesmo nos casos de anencefalia, nos quais a mãe vai passar pela dor de carregar por meses um filho que ela sabe que morrerá ao nascer. E mesmo em casos nos quais manter a gravidez significa risco de morte para mãe – e para o próprio feto junto.
Em discussão na Câmara dos Deputados, a PEC tratava originalmente da ampliação do direito materno: aumentava o direito de licença em casos de nascimento prematuro.
Mas os deputados deram um jeitinho de incluir no projeto que a Constituição passaria a definir que a vida já começa na concepção.
As mudanças foram feitas pelo relator, Jorge Mudalen (DEM-SP). A “inviolabilidade da vida humana a partir da concepção” impediria, logicamente, qualquer aborto, mas se baseia em entendimento religioso, o que não deveria ser o caso num estado laico.
Enquanto isso, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada dois dias uma mulher morre por complicações decorrentes de aborto ilegal.
É urgente impedir o avanço da PEC 181, para avançar na luta pela legalização do aborto para qualquer mulher.
Priscilla Chandretti