No domingo, 2 de junho, o Conselho Constitucional da Argélia anunciou “a impossibilidade de realizar as eleições presidenciais em 4 de julho”. Uma vez mais o regime é obrigado a recuar diante da mobilização de massas e da crise que se desenvolve nas cúpulas.
Nesse mesmo dia, em Argel e numerosas outras cidades, milhares de estudantes organizaram manifestações surpresa – normalmente eles vinham ocorrendo nas terças e sextas-feiras. A polícia tentou contê-las, especialmente em Argel, mas os estudantes conseguiram desfilar denunciando o regime atual e opondo-se a implantação de um regime militar.
Na véspera, sábado, 1º de junho, milhares de pessoas se reuniram no cemitério de Alger para o enterro do médico e militante Fekhar, morto na prisão por responsabilidade do regime. Uma morte que provocou forte emoção e que coloca no centro a questão da libertação dos prisioneiros políticos.
Na sexta-feira, 31 de maio, uma vaga de milhões de pessoas se lançou em manifestações por todo o país. Dois dias antes o chefe do estado maior do exército discursou chamando ao diálogo com o regime e declarando que pretendia manter a todo custo a realização das eleições presidenciais em 4 de julho.
“Não ao reino dos militares!”
A manifestação da sexta-feira, 30 de maio, foi uma arrasadora resposta do povo. Uma massa de bandeiras: “Gaïd está ao lado dos traidores” [Ahmed Gaïd Salah é o chefe do estado-maior do exército, NdT]. “Libertem os presos de consciência!”. O jornal El Watan noticiou que por toda parte, no centro de Alger, podia-se ler “Exigimos a libertação da justiça” e “não é um Hirak (uma revolta), é uma revolução!”, “Assembleia Constituinte Soberana para abater o sistema”, ou ainda “Não ao reino dos militares, não ao bando de malfeitores”.
Essa manifestação questionou abertamente o regime e o chefe do exército que aparece como seu novo mandatário. A decisão do Conselho Constitucional de anular as eleições presidenciais de 4 de julho marca uma nova fase da crise do regime. Gaïd Salah não parava de afirmar que não desejava uma transição, que era preciso permanecer no quadro constitucional e realizar as eleições presidenciais.
Abre-se agora um período de incertezas. Segundo o a Constituição atual o presidente interino, Abdelkader Bensalah, tinha um mandato de 90 dias que termina em 4 de julho. O que acontecerá nessa data? Bensalah permanecerá ou não? Novas manobras? De todo modo a imprensa confirma que o chefe do estado-maior quer manter a perspectiva de realizar uma eleição presidencial, agora vislumbrada para outubro.
Depois do anúncio do Conselho constitucional cancelando o 4 de julho, as declarações e manobras se multiplicam. O diário TSA, de 1º. de junho, resume a posição dos partidos: “três grandes tendências se delineiam: há os que aplaudem de olhos fechados, há os que recusam o roteiro do poder tal como puderam deduzir das declarações de Bensalh e, finalmente, há os que se dizem prontos ao diálogo mas que levantam pré-condições para sua participação.” Houve diferentes declarações, propostas de transição, de diálogo e até mesmo os Oulémas (mestres religiosos) se propuseram para servir de intermediários.
O jornal El Moudjahid, porta-voz do regime, defensor incondicional de Gaïd Salah, acusa uma parte da oposição de pretender “assegurar a perenidade do antigo regime favorecendo a ascensão ao poder de uma nova clientela graças à cooptação que permitem os duvidosos mecanismos de uma presidência colegiada”. Trocando em miúdos: o regime tem que continuar com os mesmos de sempre.
Mas todas essas manobras não podem fazer esquecer o essencial: a força da mobilização das massas que exigem o fim do regime e que o povo argelino tome seu destino em suas próprias mãos.