A natureza bonapartista do governo Bolsonaro foi realçada pelo seu chamado a atos contra o Congresso e o STF no dia 15 de março. Começou com um bizarro vazamento do general Augusto Heleno (“Foda-se”) e evoluiu com um vídeo para um crime de responsabilidade nos termos da lei em vigor, segundo juristas e juízes do STF.
Bolsonaro ensaiou um recuo risível que evoluiu para uma mentira escrachada – o vídeo seria de 2015! – digna de uma comédia, não fosse a gravidade da situação.
Outra vez, Bolsonaro avança e recua. Mas pela evolução, parece ter um plano: a escalada autoritária para impor a destruição dos direitos e a venda do patrimônio (apoiada pela classe dominante). Para isso, ele depende de arrastar as Forças Armadas (militarização) e da passividade da oposição.
Ao escolher como móvel do dia 15 a disputa do “Orçamento impositivo” (ampliação das emendas parlamentares), ele visa várias coisas: esconder o descontrole que irrita setores patronais, recoesionar sua base esgarçada e impor a submissão total dos poderes da República para passar as reformas que patinam.
Mas o Congresso e o STF, por ora, não querem o devido processo daquele crime. O “mercado” nem cogita isso. O governador ex-bolsonarista, Witzel (RJ), foi a única autoridade que pediu o impeachment.
Boa parte dos dirigentes políticos (e sindicais) querem contê-lo, no máximo, almejam um “parlamentarismo branco” com Rodrigo Maia. De um modo ou outro, querem minorar os danos de Bolsonaro esperando 2022. Inclusive quem fala de impeachment sabe que viria Mourão (“menos ruim”), para completar o mandato com todos generais já instalados.
Isso dito só se pode ser a favor da mais ampla unidade pela punição do crime de responsabilidade. É uma bandeira democrática limitada, mas não abstrata. O seu 1º limite é o Congresso e o STF, cuja venalidade não comove o povo. O 2º problema é que vem com a defesa da Constituição e das instituições… de onde saíram o golpe, a prisão de Lula e a eleição fraudulenta de Bolsonaro.
Mas uma posição independente, não é ser indiferente, pois o golpismo levaria a uma situação ainda pior.
Fala-se que a cúpula do Exército não quer se identificar com o governo e que os generais-ministros vão enquadrá-lo. Falava-se o mesmo há um ano, e não aconteceu.
Mudar este quadro depende, portanto, da ação das massas populares.
Com ou sem impeachment
Havia uma agenda de atos unitários já convocados para março. Pode ser que avolumem uma indignação popular. Os partidos de oposição podem tirar iniciativas institucionais, mas não está claro que vão instruir o crime de responsabilidade.
Quem luta pelo fim deste governo deve partir do drama social do país (ver abaixo) e manter o foco na mobilização da força que pode, com ou sem impeachment, derrotar Bolsonaro e Mourão.
São fundamentais as reivindicações concretas, como Salário Igual, Trabalho Igual, denúncia da violência contra a mulher, Apuração e punição do assassinato de Marielle, Defesa dos Serviços Públicos, da Educação Pública, e a luta Contra as Privatizações. Sem esquecer a Anulação dos processos contra Lula.
Essa atitude se integra na agenda, mas procura preservar o povo de armadilhas para reforçar a confiança na luta em seu próprio terreno
A situação pode mudar. Virão novas greves. Há setores dominantes refratários à escalada autoritária, que temem pela sua liberdade. Afinal, as eleições de 2020 e 2022 não são o horizonte de Bolsonaro. E esperar por 2022 pode se mostrar “muito longe” para muito mais gente.
Bolsonaro vai continuar usando relações com PMs , milícias e generais para intimidar. A rigor, a solução durável na área da segurança inclui “desmilitarizar as PMs” e outras reformas radicais na Justiça e no Exército, que só uma Constituinte fará. Mas isso depende hoje de destravar a ação das massas por reivindicações concretas, num quadro instável que pode evoluir para uma crise político-institucional. Mas não confundimos a nossa vontade ou a de Bolsonaro, com a realidade.
Outra conclusão é evitar provocações como a feita contra a presidente do PT, Gleisi Hoffman. No quadro de tensão, é preciso evitar o voluntarismo, mas sem se intimidar tampouco.
Markus Sokol