A fundação da 4ª Internacional e seu significado atual

A decisão de se fundar em 1938 uma nova organização revolucionária internacional às vésperas da Segunda Guerra Mundial foi e é até hoje criticada por adversários como um ato de vaidade pessoal de Leon Trotsky. O seu resultado final teria sido apenas a proliferação infindável de grupúsculos e seitas políticas sectárias e sem intervenção real na luta de classes. Nada mais falso, nada mais desconectado da realidade social e econômica da classe trabalhadora real, que buscava combater nas ruas ou nas trincheiras – como na Revolução Espanhola (1936-1938) – o avanço do fascismo e os efeitos da crise econômica capitalista. Nos anos e décadas seguintes à fundação da 4ª – ocorrida no dia 3 de setembro de 1938 em Paris – os inimigos de classe e adversários políticos combateram de maneira implacável os seus militantes. Isso certamente porque o Programa de Transição – A agonia do capitalismo e as tarefas da 4ª Internacional – afirmava que: “A tarefa estratégica da 4ª Internacional não consiste em reformar o capitalismo, mas em derrubá-lo”. Sua existência e ação questionava o coração do grande pacto que stalinistas e reformistas realizavam com as burguesias para preservar o capitalismo após a Segunda Guerra Mundial.

Era impossível se manter indiferente ou tentar ignorar e isolar a atividade política da 4ª internacional, que agrupava agora em um programa político não só a herança revolucionária de gerações de militantes, mas principalmente a disposição para defender e combater pela independência política e de ação da classe operária por suas reivindicações. Os militantes da 4ª cruzaram o mundo, agruparam soldados alemães socialistas em plena França ocupada na guerra, organizaram mineiros bolivianos nas cavernas dos Andes, enfrentaram gangsteres no movimento operário dos EUA, combateram nas fileiras do exército vermelho da China e nas greves do Sri Lanka, enfrentaram a ditadura getulista no Brasil. Essa longa história continuou e segue necessária.

O internacionalismo
A fundação da 4ª internacional é parte de uma longa tradição de luta internacionalista dos revolucionários contra o capitalismo e que começou bem antes. A AIT (Associação Internacional dos Trabalhadores ou 1ª Internacional) fundada em 1864 em Londres pela ação de Marx e Engels, uniu diferentes correntes do ainda pouco articulado movimento operário europeu do século XIX e seguiu até pouco depois da Comuna de Paris em 1871. A 2ª Internacional fundada em 1889, teve o impulso inspirador de Engels (Marx já havia morrido) e ajudou a formar poderosos partidos operários de massa nos países industrializados e irradiar o socialismo pelo mundo. Com a 1ª guerra mundial (1914-1918) a 2ª Internacional se divide quando um setor reformista passa a apoiar diretamente as políticas de guerra dos governos burgueses. Uma ala revolucionária liderada por Lênin, Rosa Luxemburgo e Trotsky se opõe. A oportunidade histórica surge com a vitória da revolução operária na Rússia em outubro de 1917: dois anos depois é fundada a 3ª Internacional e surgem os partidos comunistas.

A Revolução Russa foi cercada e atacada, sufocada numa guerra civil brutal até quase 1922. O Exército Vermelho liderado por Trotsky consegue esmagar os Brancos – contrarrevolucionários sustentados por governos imperialistas e os antigos monarquistas e capitalistas da Rússia – mas a classe operária sangra a nata da sua militância revolucionária na guerra. Uma nova camada social de burocratas e carreiristas a substitui e ocupa um lugar cada vez mais importante. A última batalha política de Lênin antes de sua morte em 1922 foi contra essa burocratização do partido e do Estado soviético. A democracia nos sovietes e no partido vai desaparecendo. Em 1923 surge então a Oposição de Esquerda e em 1926 a Oposição Unificada, para defender e recuperar a democracia interna, o livre debate e a ampliação da revolução para outros países. Stálin – a caminho de uma ditadura pessoal – inventa a suposta teoria do “socialismo num só país” e reprime a oposição. A 3ª Internacional cada vez mais burocratizada vai no mesmo caminho. Trotsky foi expulso em 1929 da URSS e com outros oposicionistas funda a Oposição de Esquerda Internacional, que conta no Brasil com o grupo liderado por Mário Pedrosa intervindo como fração no PCB. A Oposição buscava combater o stalinismo dentro dos Partidos comunistas.

Reagrupando os revolucionários no combate ao fascismo
Em fevereiro de 1933 reúne-se a Conferência da Oposição Internacional após Hitler assumir o poder na Alemanha sem qualquer reação do Partido Comunista alemão. Trotsky defendia a frente única de comunistas e socialistas como única saída para afastar o perigo fascista. Tratava-se do destino do maior núcleo organizado da classe operária mundial na época. A política de divisão dos stalinistas recusando qualquer aliança com os socialistas abriu o caminho para Hitler, que nos anos seguintes destroçou a classe operária alemã. A Oposição Internacional de Esquerda declarou então que a luta pela reorientação da 3ª Internacional terminara. Foi aprovada a “Declaração dos Quatro”, que chamava a luta pela construção de uma nova Internacional. Cinco anos depois nascerá a 4ª Internacional.

Em 3 de setembro de 1938 reuniu-se em Paris a Conferência de fundação com representantes de doze países: Brasil, Alemanha, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, URSS, Itália, Polônia, Bélgica, Áustria, Holanda e Grécia. O brasileiro Mário Pedrosa foi delegado em nome das seções latino-americanas. O principal documento – o Programa de Transição – afirma que as forças produtivas do capitalismo cessaram de crescer. O futuro da humanidade depende da construção da direção revolucionária do proletariado. O capitalismo sobrevive as custas de destruir as forças produtivas da humanidade, como as guerras, o desemprego e a fome.

“É preciso ajudar as massas, no processo de suas lutas quotidianas, a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve consistir em um sistema de reivindicações transitórias partindo das condições atuais e da consciência atual de amplas camadas da classe operária e conduzindo invariavelmente a uma única e mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado”.

A perseguição à 4ª Internacional continuará implacável mesmo com o início da 2ª guerra mundial (1939-1945). Na URSS as deportações exterminaram milhares de simpatizantes. Na Europa a GPU – polícia política de Stalin, assassinou vários dirigentes. Em 21 de agosto de 1940 o próprio Trotski foi assassinado no México. Mas a 4ª Internacional estava fundada e sucessivas gerações de militantes irão se apropriar de seu programa para dar continuidade à luta pela revolução socialista. Em 1993 a 4ª foi reproclamada e segue atuando com suas seções – como a corrente O Trabalho do PT, sua seção brasileira – na preparação do seu 10º congresso mundial.

Everaldo Andrade

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