A situação da vida dos negros no Brasil, que ainda convive com os resquícios do período da escravidão, mesmo se já passaram 130 anos, não é nada fácil. Agora, com a eleição de Bolsonaro como presidente, o que já era ruim, tende a piorar.
No dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, que lembrou e homenageia o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, que foi assassinado nesse dia pelas tropas coloniais brasileiras em 1695, diversas manifestações ocorreram nos estados. Em São Paulo, a XV Marcha da Consciência Negra, reuniu cerca de 5.000 pessoas. Além das pautas históricas, como o combate ao genocídio do povo negro, a marcha prestou homenagem a Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro assassinada em março e ao mestre Moa do Katendê, assassinado em Salvador depois do primeiro turno das eleições presidenciais, após ter declarado voto em Haddad do PT.
Travamos uma dura batalha no processo eleitoral nos últimos meses para barrar o projeto político de Bolsonaro, que se pretende ser uma versão piorada do governo Temer, o que na prática trará mais violência policial nas periferias e comunidades, diminuição do acesso ao ensino superior pela juventude negra, condições de trabalho mais precarizadas e por aí vai. Mas apesar da derrota nas urnas, sabemos que saímos desse processo de pé, cabeça erguida e agora devemos estar ombro a ombro com a classe trabalhadora e a juventude nesse próximo período de fortes embates.
Desigualdade salarial
Mesmo se a vida da população negra teve uma melhora durante os governos do PT, isto ainda está muito longe do que precisamos e reivindicamos. E não podemos permitir que os retrocessos que se avizinham, sejam consumados, pois todas as conquistas estão ameaçadas.
Os trabalhadores negros continuam recebendo cerca da metade do salário dos brancos para desempenhar as mesmas funções. Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Pnad anual (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), seriam necessários 72 anos (em 2089) para a equiparação salarial entre negros e brancos. Porém os ataques que a classe trabalhadora sofre desde o golpe de 2016, patrocinado pelas instituições apodrecidas, a começar pelo judiciário – o mesmo que livrou a cara de Bolsonaro de suas declarações racistas -, podem ser ainda maiores. E a população negra será mais durante atingida. Só o nosso povo organizado poderá decidir frear isso.
Na educação, que interfere diretamente na renda salarial dos brasileiros, pois quanto maior a escolaridade, maior a renda do trabalhador, há ainda muito no que avançar. Porque mesmo se as cotas proporcionaram o crescimento dos negros dentro das universidades (em 2005 apenas 5,5% dos jovens negros e pardos estavam nas universidades e em 2015 esse número passou para 12,8% entre jovens negros entre 18 e 24 anos), ainda temos 87,2% de jovens negros fora das universidades.
Violência
Quando o quesito é violência nós estamos no topo dos índices. Por que será? O levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, detalha que o quesito exposição à violência, na população negra continua em um crescente. Segundo dados de 2005 a 2015, enquanto os brancos apresentaram uma redução de 12% dos assassinatos, os negros apresentaram um crescimento de 18%! A juventude negra e pobre, principalmente nas periferias e comunidades, continua vivendo uma verdadeira política de genocídio, em uma situação em que ser preto e jovem coloca a sua vida em risco. E a suposta “segurança” que as tropas do exército trariam nas ruas do Rio de Janeiro se mostrou como um verdadeiro remédio que mata, pois a violência só tem aumentado. E o sistema prisional reflete as consequências da violência policial e um judiciário que escolheu um lado para beneficiar no país. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen – 2016) a população carcerária brasileira quase dobrou entre os anos de 2006 e 2016, passando de 401,2 mil para 726,7 mil. E o mais gritante é que cerca de 40% dos presos tiveram sua liberdade cerceada sem ao menos terem o direito a um julgamento. As condições das prisões são as piores possíveis e nelas 64% da população é negra.
Titulação dos quilombolas
A luta pela titulação das terras das comunidades quilombolas, que ainda enfrenta diversos bloqueios para uma efetiva titulação, como a pressão dos latifundiários e ruralistas no congresso nacional, é também uma das questões centrais para nosso povo. Porque além de ser uma questão negra, ela se caracteriza como uma questão nacional, integrando os aspectos da questão agrária. E o fato da reivindicação dos quilombos ser pela titulação coletiva das terras e não por lotes individuais, faz com que a tarefa democrática (agrária) tenha também uma dimensão revolucionária. O fato de termos cerca de 3,2 mil comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura; e menos de 10% obtiveram o documento da titulação, demonstra que essa luta se mantém, mais atual do que nunca. E essa será uma luta intensa, pois o futuro governo já anunciou ataques aos quilombolas, como no caso da comunidade de Alcântara (box).
O futuro que nos aguarda ainda é incerto e não teremos fórmulas mágicas ou receitas de bolo para nossa organização, porém ela é mais urgente do que nunca e apenas experimentando na luta diária, ombro a ombro com cada irmão e irmã negra, encontraremos a melhor forma de organização em defesa de nossas reivindicações e contra os retrocessos.
Joelson Souza
QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA COLOCADOS EM RISCO
Em agosto desse ano, a comunidade quilombola de Alcântara, localizada na região metropolitana de São Luís (MA), recebeu com grande preocupação a notícia da visita do secretário de Defesa dos Estados Unidos, James Mattis, ao Brasil. Na pauta de sua vinda estava a utilização do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), que fica no território quilombola. A base militar de Alcântara foi implantada no país durante a ditadura militar e já causou grande impacto na região desabrigando e expulsando diversas famílias quilombolas e agora esse pesadelo retorna, visto que Bolsonaro pretende consolidar os acordos iniciados pelo governo golpista de Temer com os EUA. Segundo ele “O que nós queremos fazer é treinar os quilombolas, aquela garotada, para trabalhar na base de lançamento, inserir eles nesse mercado promissor, dar meios para se libertar, não viver mais de favores de Estado. O Marcos Pontes [futuro ministro da Ciência e Tecnologia] quer fazer também”. Para muitos que não entenderam como o Marcos Pontes foi indicado para ministro, mesmo não tendo nenhuma experiência na ciência e tecnologia, essa é uma das dicas.