A virada do ano trouxe a incontornável memória da intentona golpista de 8 de Janeiro. O governo Lula organizou com o STF e o Congresso um congraçamento institucional, “Democracia Inabalada”, uma nova tentativa de “união nacional” que nunca saiu. 13 governadores estavam ausentes, além do presidente da Câmara, Arthur Lira.
As frentes “Brasil Popular” e “Povo Sem Medo” convocaram atos para “unir o Brasil em Defesa da Democracia” e dar uma cara de povo a essa política. Mas os atos foram fracos, com quase nenhuma participação popular e mesmo da militância. Afinal, de que democracia estamos falando em defender?
Lula relembrou com razão em seu discurso no dia 8 que a “fome é inimiga da democracia. Não haverá democracia plena enquanto persistirem as desigualdades”.
Mas há inimigo mais eficaz da desigualdade nesse país que o Congresso Nacional?
O congresso que perpetua a mamata da desoneração empresarial, que se recusa a votar a taxação dos ricos, que destrói direitos trabalhistas e previdenciários e que representa de maneira indiscutivelmente fiel os interesses da classe dominante?
Só mesmo o Poder Judiciário procura igualar o Congresso nesse papel, com sua casta de juízes com salários astronômicos que estraçalham o Piso da Enfermagem, defendem a reforma trabalhista e liberam a terceirização irrestrita.
Militares intactos desde 1964
O fato é que um ano depois da tentativa de golpe nenhum peixe grande foi punido, nenhum general estrelado da ativa ou grande empresário sequer foi chamado pelo Judiciário para depor. Também durante o ato “democracia inabalada” Lula afirmou que “todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram tentativa de golpe devem ser exemplarmente punidos. Não há perdão para quem atenta contra a democracia, contra seu país e contra seu próprio povo. O perdão soaria como impunidade. E a impunidade, como salvo conduto(…)”
Lula sabe do que fala. Afinal, é a impunidade dos militares desde o golpe de 1964 – e que completará 60 longos anos neste 1° de abril de 2024 – que deu a eles o salvo conduto para apoiar a candidatura de Bolsonaro, ajudar a colocar Lula na cadeia e participar, como participaram, do dia 8 de janeiro de 2023.
No entanto, o General Arruda, aquele que acobertou os invasores do planalto no acampamento, como é de conhecimento público, nunca foi sequer convidado a depor pelo Judiciário e muito menos indiciado a nada. E o General Dutra, na época Comandante Militar do Planalto e parceiro de arruda na empreitada, não só não foi indiciado, como foi promovido a vice chefe do Estado Maior! E isso para ficar em dois exemplos, de muitos possíveis. A tutela militar, expressa no artigo 142, está intacta! Lula inclusive voltou a lançar mão – equivocadamente – do recurso à GLO, que ele sabiamente recusou naquele 8 de janeiro.
Esta tutela dos militares procura preservar seus próprios privilégios, é verdade. Mas eles formam também uma espécie de guarda pretoriana da classe dominante, que corre em seu auxílio sempre que necessário, da maneira que for possível. Tanques nas ruas em 1964. Um Tuíte ameaçando o STF em 2018.
Por isso que é dificil acreditar que as instituições brasileiras, especialmente o Congresso e o STF, que também estão a serviço da classe dominante, vão elas mesmas punir os militares de alta patente e os grandes empresários envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro.
Se não o fizerem, no entanto, o povo que ecoou “sem anistia” em 1° de janeiro de 2023 e que a cada dia ganha mais consciência do papel dos militares e das instituições, o fará, mais cedo ou mais tarde, mesmo que para isso precise refundar a república por meio de uma Assembleia Constituinte Soberana. Punição a todos os golpistas!
Juca Gonçalves
Reflexão sobre o dia 8 de janeiro
Cada coisa na sua hora
“Nós não titubearíamos em defender novamente o governo Lula se fosse ameaçado, como durante a campanha eleitoral e no dia 8 em que foi atacado. O faríamos com o povo e suas organizações na rua, em primeiro lugar. E, se necessário, o faríamos junto com os mesmos poltrões do STF que deixaram o inominável concorrer, quando já deveria ser inelegível, ou os condestáveis da Câmara e do Senado que engavetaram dezenas de pedidos de impeachment, oportunistas que deixaram rolar pra ver no que ia dar a eleição, ou porque tinham rabo-preso ou porque tem mais medo do povo do que dos golpistas sabidos. Como eram os comandantes das três armas que tiraram notas públicas, defenderam os acampamentos fascistas nos quartéis de norte a sul por semanas etc. Sem uma renca de generais e gordos financiadores isso não ocorreria assim.
Certo, mas (…) o que hoje está sob ataque são direitos e reformas populares ameaçadas – para simplificar – pelo calabouço fiscal, carregado com a reforma tributária pedida pelos empresários, escoltados pelas tropas de Lira na Câmara dos Deputados.”
Markus Sokol, da Executiva Nacional do PT, em artigo publicado no site de O Trabalho em 6/1/24
O Mito da Democracia inabalada
“O novo mito que ganha impulso com a efeméride de um ano do ataque às instituições republicanas de 8 de janeiro de 2023 é que a democracia brasileira venceu e está “inabalada” (…)
O 8 de janeiro não foi o capítulo final da crise política nem a regeneração da democracia brasileira. A tentativa de golpe, inclusive, é consequência da dissolução do regime político. Enquanto não houver mudanças na estrutura de poder, que resgatem o sentido profundo da soberania popular, de que todo o poder emana do povo, nossa frágil democracia estará em risco.
É muito perigoso idealizar essa democracia em crise porque a frustração da população e a falta de uma alternativa ao colapso do sistema político e das instituições, forjados pela Constituição de 1988, podem levar o país a mais uma ofensiva da extrema-direita, muito mais violenta que o 8 de janeiro.”
Igor Felippe Santos, jornalista e militante do MST, em artigo publicado no Opera Mundi em 08/01/24
GLO dos Portos e Aeroportos
“Com isso (essa GLO), volta a se dar uma força muito grande a essa falsa doutrina da tutela militar sobre a República. Sobre a ideia de que sem os militares a República não consegue se manter.
Essa é uma questão fundamental da República. E com isso, o governo Lula comete o principal erro dele em toda a gestão da crise, que é revigorar o artigo 142 através da questão da criminalidade urbana.”
Francisco Teixeira, professor da UFRJ e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, em entrevista à Agência Pública, em 07/01/24
Enquanto houver racismo, não haverá democracia
“Uma democracia inabalada? Sim, é preciso gritar aos quatro cantos que a democracia é muito importante. Mas no Brasil, ainda mora no campo do desejo, do sonho, um lugar que ainda queremos chegar, atingir, consolidar. E para que exista, será assim, ou não será!
O movimento negro é a experiência de luta e representação fundamental daqueles que sempre reivindicaram direitos humanos para os que tiveram historicamente sua humanidade negada, quiçá, democracia garantida.
Nossa luta pela vida continua!”
Douglas Belchior, dirigente da Uneafro, em publicação no Instagram no dia 08/01/24