As instituições dos EUA estão em questão

Há quase um mês, manifestações de massa varrem os EUA, com passeatas de dezenas de milhares à Casa Branca, gigantescas mobilizações contra o racismo sistêmico no coração da principal potência imperialista, que têm ecoado mundo afora.

Trump acusa os governadores (inclusive republicanos) de fraqueza no enfrentamento aos protestos. Ele chegou a ameaçar com envio do exército, sendo desautorizado pelo comando militar e até mesmo por seu ministro da defesa, o que aprofundou a crise política.

Em muitas cidades governadas pelo partido Democrata, prefeitos falam em dissolver suas polícias, ou pelo menos reduzir seus orçamentos. Diante da força dos protestos, congressistas democratas apresentaram um projeto de lei com dispositivos que supostamente diminuiriam a violência policial contra negros. E mesmo Trump já anunciou que emitirá uma ordem para a reforma da polícia. O fato é o projeto de lei democrata visa salvar um sistema contra o qual milhões de americanos se opõem hoje.

Pois ao centrar-se apenas na violência policial – uma realidade – tenta desviar a mobilização que se levanta contra o conjunto das instituições estadunidenses, intrinsecamente racistas, apoiadas tanto por republicanos quanto democratas. A propaganda sobre a reforma da polícia visa portanto escamotear o “racismo sistêmico” – produto da própria história dos EUA.

Racismo é espinha dorsal do sistema político
A violência policial é a expressão mais escancarada de um racismo institucional, da violência do Estado. É a espinha dorsal do sistema político estadunidense, resultado do fato dos negros – que não são imigrantes – terem sido arrancados à força da África e escravizados para construir os EUA. Eles estão no coração da nação estadunidense e, ao mesmo tempo, são a população mais oprimida. Desde o fim da escravidão, os negros foram mantidos segregados em uma situação de não-cidadãos até à década de 1960, e, depois, de cidadãos de segunda categoria.

Os negros têm 2,5 vezes mais riscos de serem mortos por policiais do que os brancos. E são também mais afetados pela Covid-19. São vítimas de muito maior desemprego que os brancos e, quando têm trabalho, são geralmente os mais mal remunerados. A existência de uma mão de obra negra de baixo custo permite fazer pressão sobre o conjunto dos salários; a situação dos negros é utilizada como ameaça ao conjunto da classe operária americana.

A explosão do desemprego nos EUA, com a pandemia e o confinamento, também lançou grande parte da população na precariedade, inclusive entre brancos. Milhões de desempregados, sem seguro desemprego e recebendo “auxílios”, milhões de precarizados e temporários que se veem desamparados. É terreno fértil a uma explosão social.

A presença em massa de brancos, latinos, sindicatos importantes (apesar da “prudência” da direção da central AFL-CIO) nas manifestações deixa claro que, mais do que a sociedade, são as instituições estadunidenses as quais estão gangrenadas pelo racismo.

As instituições fazem todo o possível para limitar a discussão à violência policial, cada uma de acordo com o seu papel: Trump e os republicanos ameaçando os manifestantes e defendendo a polícia, Biden e os democratas propondo reformá-la (enquanto recorre a ela para reprimir violentamente os protestos nas cidades onde detêm a prefeitura). Mas, depois de oito anos de presidência Obama, amplas camadas de manifestantes sabem que votar em Biden (seu vice-presidente) não resolverá nem os problemas sociais, nem o racismo da polícia. Uma nova fase se abre nos EUA

Devan Sohier

(Extraído de artigos do jornal francês Informações Operárias)

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