De onde vem esse súbito interesse pelo destino do povo líbio?

A violência do regime contra o povo da Líbia provocou milhares de mortes, com aviões e tanques atirando contra a multidão. A população quer acabar com o regime ditatorial, a pobreza e a miséria, enquanto os clãs ligados ao poder pilham a riqueza do país, particularmente o petróleo, vendido a baixo preço às companhias estrangeiras.

Dirigentes do governo estadunidense e da União Europeia inquietam-se com o risco de caos. Outros falam do risco de divisão entre leste e oeste (as províncias de Cirenaica e Tripolitana). Navios americanos se deslocam em direção à Líbia. Crescem as ameaças de intervenção militar.

Hillary Clinton em recente declaração no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, em Genebra, falando sobre os povos árabes, disse que “nossos valores e interesses convergentes no apoio a essas transições não é apenas um ideal, é um imperativo estratégico”. Ela tem o mérito da clareza ao mostrar que o objetivo de Washington é estabelecer uma base no norte da África para tentar bloquear o desenvolvimento das revoluções na Tunísia e Egito.

Em seu discurso, a secretária de Estado evocou seu desejo de uma ampla abertura política no mundo árabe, excluindo as “influências antidemocráticas”.

A principal influência antidemocrática sendo o imperialismo estadunidense e a União Européia que por décadas apoiaram os regimes ditatoriais, a senhora Clinton não evocou nem o regime fantoche do Iraque, sustentado por 50.000 militares dos EUA e que acaba de atirar contra manifestantes, nem seu aliado israelense que cotidianamente comete os piores abusos contra a população civil palestina em Gaza e na Cisjordânia.

É todo aparelho do Estado líbio que está em vias de romper com o ditador No mesmo discurso, Clinton indicou que seu governo havia feito contato com grupos da oposição líbia que lutam para derrubar o coronel Kadhafi. A informação foi imediatamente rejeitada pelos grupos em questão, através da TV Al Jazeera, a exemplo do demissionário ministro da Justiça, Mustafa Abduljalil, que acabara de formar um governo interino em Benghazi (cidade controlada pela oposição).

Domingo, dia 27 de fevereiro, Abdul Salam Mahmoud Al-Hassi, chefe das forças especiais líbias, passa para o lado dos manifestantes. Sucessivamente, à exceção dos membros diretos do clã Kadhafi, todo o aparelho do Estado líbio vai rompendo com o ditador e rejeitando a perspectiva de uma intervenção militar que privaria os senhores de amanhã, revestidos de verniz democrático, de controlar os benefícios do dinheiro do petróleo.

Se a ampla rejeição popular a Kadhafi está ligada a uma profunda aspiração por liberdade e satisfação das necessidades sociais, não podemos, contudo, identificar a situação na Líbia às do Egito e Tunísia.

Como indica o jornal As Safir (25/02), a situação líbia é contraditória: mobilização popular, mas também traços comparáveis a movimentos de guerra civil, clã contra clã, que sacrificaram numerosos países da África negra em benefício das multinacionais.

As respostas assassinas do poder suscitaram, imediatamente, uma desagregação das forças armadas líbias, estruturadas por tribos e não pelo poder central, onde as principais buscam a independência em relação a Trípoli.

O fim do regime de Kadhafi é, efetivamente, transformado muito rapidamente numa guerra civil, onde os mortos se contam aos milhares.

Contrariamente aos seus vizinhos, o regime de Kadhafi era “reconhecido”, não tanto pelos acordos de exploração e pilhagem com o FMI e a União Europeia, ou estratégicos com o Estado de Israel, mas, sobretudo, por garantir a bom preço uma parte não desprezível das necessidades européias de petróleo, em particular da Itália.

A Líbia de Kadhafi é um mercado suculento para os Estados membros da União Européia Além do fornecimento do petróleo bruto de qualidade superior, são as consideráveis reservas ainda não exploradas que provocaram e provocam cada vez mais os interesses das grandes potências.

Junte-se a essa descrição, uma diferença notável entre a Líbia e seus dois vizinhos: a classe operária na Líbia é, de fato, constituída em sua grande maioria por trabalhadores chineses, egípcios, tunisianos, que na maior parte estão fugindo do país, deixando os postos de petróleo e refinarias em ponto morto.

A Líbia de Kadhafi é um mercado suculento para os Estados membros da União Europeia, em particular os produtores de armas, a começar pela França. Segundo o Diário Oficial da UE (13 de janeiro de 2011), ela exporta por ano para a Líbia cerca de 500 milhões de dólares (cifra de 2009) em equipamentos militar (comparando com a subvenção militar dos EUA ao Egito de 1, 3 bilhão de dólares, é quatro vezes maior que para a Líbia, mas para um número de habitantes 12 vezes menor).

No momento em que escrevemos, o movimento de tropas com a cobertura da ONU se dirige para a Líbia.

Com a queda do regime de Kadhafi o imperialismo estadunidense se prepara para instalar na Líbia suas próprias multinacionais, que estavam praticamente ausentes, e gerir, sem intermediários, a extração do petróleo e a partilha dos dividendos.

É um dos desafios maiores do período que se abre para o povo líbio e para os povos da região

François Lazar

Matéria publicada no Informations Ouvrières,
jornal do Partido Operarário Independente (França)

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