Já vinha de antes, mas o papel dos militares nos rumos (sombrios) da nação escancarou-se com a conivência com os acampamentos em frente ao Exército e no dia 8 de janeiro. “O Exército conseguiu tudo o que queria na Constituição” (General Leônidas Pires Gonçalves, Valor Econômico, 24/2), referindo-se à Constituição de 1988, após a queda da ditadura militar. A matéria, da jornalista Maria Cristina Fernandes, prossegue: “ele detalha seu trabalho para manter incólume a atuação das Forças Armadas na lei e na ordem internas do país. A prerrogativa está no artigo 142 da Constituição”.
Aliás, diga-se, ao votar contra a Constituição de 1988, os deputados petistas, entre outros fatores, criticavam o papel das Forças Armadas ali atribuído. 16 deputados do PT disseram em 1988: “Com nosso voto, negamos o governo Sarney, a tutela militar e a ordem conservadora que a nova Carta consagra (…) Quando analisada globalmente – e isso orienta o nosso voto ‘não’ – a nova Constituição revela seu caráter conservador, elitista, mesmo para um regime capitalista como o brasileiro (…). A nova Constituição negou a Reforma Agrária, negou a estabilidade no emprego e negou a liberdade sindical. Não redistribuiu a riqueza produzida nacionalmente, eleva a propriedade privada a direito fundamental da pessoa humana e mantém intocada a tutela militar no país. O PT não poderia aprovar uma Constituição que reconhece às Forças Armadas o poder de intervirem na vida política para ‘garantir a lei e a ordem’”. (Boletim Nacional do PT, 1988, grifos nossos)
Discussão oportuna
Os deputados federais do PT Carlos Zaratini e Alencar Santana articulam um Projeto de Emenda Constitucional, chamada de PEC anti-golpe, para modificar o artigo 142 onde estabelece que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”
Em entrevista à Globo News Zarattini explicou que, entre outros pontos, a PEC acaba com as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO); determina que as Forças Armadas poderão ser designadas apenas para ajudar missões civis; obriga os militares que quiserem exercer cargos públicos a irem direto para a reserva; e veda o uso do cargo, função ou arma para qualquer intervenção política.
Depois de todas recentes evidências do papel dos militares (prisão de Lula com o tuite de Vilas Boas, conivência e apoio dos acampamento e da ação fascista em 8 de janeiro) a PEC abre uma discussão necessária.
Não sem obstáculos. O Ministro Flávio Dino diz que retirar totalmente a GLO lhe “parece um pouco demais” (Estadão 25/2). O ministro Múcio, diz que vai ouvir os comandantes das Forças Armadas sobre a PEC. Na mesma entrevista à Globo News Zaratini disse que “os militares não devem participar do debate da PEC, mas eles têm de assumir o seu papel, muito importante, que é a defesa da integridade nacional e do território. Vamos fazer um debate na sociedade; eu não quero fazer um debate em que eu tenha de pedir permissão para os militares para apresentar uma PEC”. Está certo! Afinal os militares, em 1988 “conseguiram tudo que quiseram”, muitos deles hoje são os mesmos, e emplacaram o Artigo 142 mantendo o país sob sua tutela.
Alguns pretextam que não é hora de abrir esta discussão (iludidos com uma possível pacificação?) e que com este Congresso só pode piorar. O mais provável é que neste Congresso tudo que for para atender as demandas do povo trabalhador, da democracia e da soberania nacional tende a emperrar. Mas a briga deve ser comprada até para ganhar o povo que mobilizado pode, de maneira soberana, decidir o que deve ser feito.
Misa Boito