Os números são alarmantes: de acordo com dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (publicados pelo portal G1), são registrados em média, no Brasil, ao menos seis abortos por dia em meninas de 10 a 14 anos. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019) registra que quatro meninas com menos de 13 anos são estupradas no país a cada hora. Foram 66.041 estupros só no ano de 2018, sendo que em 81,8% dos casos as vítimas eram mulheres e, em 53,8%, elas tinham menos de 13 anos.
O debate sobre o aborto ganhou destaque na última semana diante do caso de uma criança de 10 anos que foi estuprada pelo tio desde os seis anos, levando à sua precoce gravidez. A violência contra essa menina não se encerrou aí. Ela teve seu aborto legal negado por um hospital em Vitória (ES) e, ao ser transferida para o Centro Integrado de Saúde Amaury Medeiros (PE), local de referência nesse tipo de procedimento, teve sua identidade exposta pela bolsonarista Sara Winter, que postou em suas redes sociais chamando a um ato contra o aborto. O ato ganhou apoio de grupos religiosos ligados ao movimento “Pró-vida Pernambuco”, além de adesão de políticos conservadores, em sua maioria ligado a bancada evangélica, com o PP e PSC.
No Brasil, o aborto é legalizado apenas em casos de estupro, de anencefalia do feto ou em situações de risco para a vida da mãe, sendo considerado crime em outras situações. No entanto, a pesquisa científica “Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais”, publicada em fevereiro de 2020 na Revista Cadernos de Saúde Pública, é reveladora: “Embora os dados oficiais de saúde não permitam uma estimativa do número de abortos no país, foi possível traçar um perfil de mulheres em maior risco de óbito por aborto: as de cor preta e as indígenas, de baixa escolaridade, com menos de 14 e mais de 40 anos, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e sem companheiro”.
A discussão sobre a descriminalização do aborto, além de uma questão de saúde pública, diz respeito ao direito da mulher de decidir sobre a maternidade e à vida de milhões de mulheres, especialmente das pobres e negras, que não tem condições de pagar pelos altíssimos preços cobrados pelas clínicas clandestinas. Para o site do Conselho Federal de Enfermagem, a criminalização não impede que 1 milhão de abortos induzidos sejam realizados por ano no Brasil e que uma mulher morra a cada dois dias por aborto inseguro. O que mata não é o aborto, mas sim a sua clandestinidade! O aborto legal, realizado de forma segura e gratuita no SUS é uma necessidade urgente!
Num cenário em que o governo de Jair Bolsonaro chega ao ponto de excluir do último relatório de direitos humanos as informações sobre as denúncias de violência, entre elas a violência infantil; num momento em que o discurso da religião e da família são utilizados pelo presidente para seguir retirando direitos, incentivando a possibilidade de ações inescrupulosas como o ato bolsonarista em Recife, mais do que nunca é hora de levantar a bandeira da legalização do aborto como a bandeira do direito à vida da mulher trabalhadora!
Maíra Gentil