Em entrevista, Patrus Ananias defende o fim do PED e a volta dos Encontros de base no PT

 “PT absorveu prática de uso e abuso de poder”, Ministro do Desenvolvimento Agrário condena modelo adotado pelo partido em seus processos eleitorais internos

Militante histórico e fundador do PT, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, faz críticas ao aparelhamento do comando do partido e cobra reação dos dirigentes petistas contra o “que há de pior na herança lacerdista” para tentar “demolir completamente a imagem e a história do PT”. “Acho que o fundamental, agora, é o PT recuperar a sua dignidade e proporcionar que os nossos filiados, simpatizantes e interlocutores históricos possam recuperar a confiança no seu partido e nas suas lideranças”, afirma em entrevista ao Estado.

Natural de Bocaiuva, no Norte de Minas, Patrus é um dos poucos integrantes do governo Dilma Rousseff ligados ao ex-presidente Lula, de quem foi ministro do Desenvolvimento Social e um dos responsáveis pela criação do Bolsa Família.

O ministro pretende apresentar nos próximos dias às lideranças da legenda um artigo em defesa do fim do Processo de Eleição Direta (PED), a adoção de um orçamento participativo no partido e a proibição do recebimento de doações privadas nas eleições gerais. “O partido levou para dentro essas práticas relacionadas com o uso e abuso do dinheiro nos processos eleitorais internos. ”

Como o sr. avalia esse momento atual de crise no governo e na relação com o Congresso?

Acho que a primeira coisa é fazer uma leitura mais correta e crítica do que representou nesses 35 anos a presença do PT no cenário político, social e cultural do Brasil. Alguns adversários estão tentando reviver no Brasil o que há de pior na herança lacerdista. Estão tentado demolir, desconstituir completamente a imagem e a história do PT.

Ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, durante cerimônia de posse no plenário da Câmara dos Deputados

A Operação Lava Jato contribui para isso?

Pensando neste momento que estamos vivemos, e falo como advogado e professor de direito (da PUC-Minas), eu tenho sérias preocupações com a maneira como está sendo conduzida esse processo da Lava Jato. Delação premiada é uma questão muito delicada no mundo inteiro. Muitos países não a adotam e, nos que adotam, a primeira condição é para que elas sejam rigorosamente preservadas para apurar a verdade, porque quem está falando é um bandido que está tentando defender a pele dele. O que está acontecendo no Brasil é que a delação está tendo vazamentos seletivos e a partir do momento que aparece um nome citado pelo delator ele está condenado. Temos uma inversão jurídica assustadora. A delação premiada está sendo instância de julgamento das pessoas. Isso é muito grave do ponto de vista do Estado democrático de direito e do devido processo legal.

Isso afeta a imagem do PT?

O comportamento de pessoas (corruptas) não é o do PT, que é uma instituição com milhares de pessoas do bem que nunca negociaram um centavo pelo seu voto, o seu trabalho de militância. O PT está vivendo hoje sim a maior crise da sua história por conta da prática do uso de recursos privados nas campanhas eleitorais. Eu tenho uma proposta para isso.

Proposta para o PT sair da crise?

Eu acho que o PT de tem de assumir que foi um erro (aceitar doações de empresas), tem de deixar claro que não vai mais receber nenhum recurso privado de empresas, independente da reforma partidária e política. É importante que o partido ponha em prática o que defende. Se na nossa proposta de reforma estamos sugerindo o fim do financiamento privado, enquanto não vem a reforma que nós defendemos, vamos começar a praticá-lo.

O presidente do PT, Rui Falcão, propôs isso…

Pois é. Eu acho fundamental isso como norma partidária, tanto para o partido como para os candidatos. A questão financeira das campanhas no Brasil atingiu o paroxismo.

O pretende apresentar outras sugestões ao partido?

O PT teve uma experiência negativa com o tal do PED, com a eleição direta para presidente. Acho muito ruim, porque o partido levou para dentro essas práticas relacionadas com uso e abuso do dinheiro, do poder econômico, nos processos eleitorais internos. Com o PED houve práticas lesivas, inclusive com filiação em massa, disputa de eleitores, pessoas que vão votar sem ter nenhuma consciência com o que estão fazendo. Cada vez mais me convenço que a democracia participativa é o melhor caminho. Tenho minhas ressalvas com a democracia direta, cada um no seu computador votando sozinho. A democracia pressupõe o encontro, o debate de ideias para você criar consensos. O PT fazia isso. Com o PED, acabaram os encontros partidários, que deveriam voltar.

O senhor então é a favor do fim do PED?

Sou. E sou a favor também do orçamento participativo (na legenda). Vamos ter, a partir de agora, pouquinho dinheiro (com proibição de doações privadas), mas que esse pouquinho seja aberto, discutido, conciliado onde deve ser aplicado.

Não pode ser um tiro no pé se o dinheiro que financia o PT for para adversários?

Paciência, que fique lá. É muito complicado esse dinheiro. As grandes empresas, empreiteiras, que prestam serviço (ao Estado), financiam campanhas em todos os níveis. Depois, qual a autoridade que o gestor público tem para exigir delas serviços efetivos, transparência, qualidade, eficácia, cumprimento de prazos e contratos etc.? Eu prefiro ver o PT perder um pouco, mas recuperar (a imagem) para retomar o papel civilizatório que o partido cumpriu ao longo de 35 anos.

Como o senhor vê a rejeição ao PT e a identificação do partido com corrupção?

Há uma campanha duríssima contra o PT. Uma parte dos meios de comunicação, da mídia, não tem poupado o PT dessa campanha duríssima. É uma campanha injusta porque é unilateral, é sectária, é antipetista. Na minha leitura, não está prevalecendo o compromisso com a ética de comunicação. A ética é uma questão da verdade. A pancadaria está grande e não tem nenhum compromisso ético. Alguns querem ver mesmo o fim do PT.

Mas não existe um desgaste do partido no poder?

É claro que há um desgaste, porque o PT nasceu com um compromisso ético muito rigoroso. O fato de pessoas do partido terem adotado práticas em campanhas eleitorais de (arrecadar) recursos de empresas nos atingiu muito. Atingiu inclusive a nossa militância e os nossos simpatizantes. É por isso que estou defendendo medidas muito rigorosas para nós retomarmos o diálogo e o respeito com essas pessoas e setores.

A crise atual do PT é maior do que a do mensalão?

Ainda não temos os desdobramentos exatos da Lava Jato, que tem procedimentos policiais e judiciais questionáveis. O fato que está claro é que o PT utilizou de financiamento privado de recursos de grandes empresas nas campanhas. É essa questão que está em discussão hoje no Brasil, a questão desse montante de recursos para todos os partidos, os custos das campanhas, o preço das agências de publicidade. Esse debate é muito importante e o PT, por uma série de razões, está pagando um preço muito maior que os outros.

É claro que há um desgaste, porque o PT nasceu com um compromisso ético muito rigoroso. O fato de pessoas do partido terem adotado práticas em campanhas eleitorais de (arrecadar) recursos de empresas nos atingiu muito

Isto ocorre por que está no governo, não?

E porque nós viemos com o compromisso muito forte de que não tergiversaríamos nesse terreno (da ética).

Qual o caminho para que o PT recupere a confiança entre a militância?

É não aceitar doação privada. É acabar com eleição direta (no partido), voltar com os encontros. É estabelecer o Orçamento Participativo dos seus recursos, ser mais transparente e aberto.

O senhor pretende disputar a prefeitura de BH em 2016?

Toda a minha vontade agora é para que esse ministério se torne referência e para dar minha contribuição para esse princípio que eu acredito, que é estabelecer no Brasil a função social da propriedade, de viabilizar uma reforma agrária de forma democrática e pacifica, de melhorar e estimular a produção de famílias e pequenos produtores. Vamos colocar como objetivo aqui de no final do governo da presidente Dilma não ter nenhuma criança debaixo da lona (de assentamento). Não tenho perspectiva para 2016. Se tiver (convite) a gente avalia, mas a princípio eu quero ficar aqui.

O senhor conseguiu convencer a ministra Kátia Abreu (Agricultura) de que existe latifúndio no Brasil?

Não. A gente quando conversa com pessoas que pensam de forma diferente tem de buscar os pontos convergentes, senão não evolui e eu quero que a conversa evolua para o bem do Brasil.

Parece que há uma disputa entre a Agricultura e o MDA pela Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), cuja promessa é levar tecnologia ao pequeno produtor. Quem vai comandar essa estatal? Está prevista que é do MDA, assim como a Conab, que é um órgão que tem uma interlocução conosco, e a Embrapa são órgãos vinculados ao Ministério da Agricultura e nós respeitamos. O acerto encaminhado com a presidente Dilma é de que a Anater vai ficar dentro do nosso ministério. Quem decide é a presidente Dilma e a presidente me disse uma vez que a Anater ficará vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.

O ajuste fiscal pode afetar o ministério?

Acho razoável uma avaliação das políticas públicas para ver se tem alguns nós. Eventualmente você pode estar aplicando recursos numa política que não está dando os resultados.

O ajuste fará o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) 2015/16 contar com menos que R$ 24,1 bilhões previstos até julho?

Estamos conversando (com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy). Nossa expectativa é de que haja até um aumento. Corte eu acredito que não tenha. Estamos tentando ver se é possível conseguir mais um pouquinho.

Haverá mudanças nas taxas de juro do programa?

Deve haver alguma variação, mas dentro do campo da razoabilidade, alguma majoração de 2% para 3%, nada que comprometa o êxito do programa, considerando as margens de rendas das famílias.

Entrevista ao jornal O Estado de São Paulo de 4 de maio de 2015.

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