Massacre no Paraná: “Dos 392 professores feridos, mais de 90% foram atingidos da cintura para cima: cabeça, tronco, rosto, até nos olhos”

Por Conceição Lemes

Curitiba, 29 de abril de 2015. Pela manhã, professores, funcionários da rede estadual de ensino e de outras categorias do serviço público do Paraná começaram a chegar à Praça dos Três Poderes. O Centro Cívico da cidade. Aí, ficam a Assembleia Legislativa (Alep), o Palácio Iguaçu (sede do governo do Estado) e o Tribunal de Justiça.

Já havia policiais a postos, por todo lado. O governador Beto Richa (PSDB) trouxe 1.600 do interior, que se juntaram aos 4 mil de Curitiba e Região Metropolitana. Eles ficaram se revezando.

Os trabalhadores resolveram permanecer o dia todo em frente à Alep para fazer pressão sobre os deputados estaduais para que não votassem o projeto de lei que confisca a poupança previdenciária de 200 mil servidores públicos do Estado. A votação estava prevista para as 14h30.

O projeto, agora lei aprovada pelos parlamentares e já sancionada por Richa, permite ao governo tucano sacar mensalmente R$ 150 milhões – ou R$ 2 bilhões ao ano em valores corrigidos – do fundo ParanaPrevidência.

Havia uma liminar para que 480 trabalhadores acompanhassem a votação dentro da Assembleia. Só que o Tribunal de Justiça a cassou.

Por volta das 14h, um grupo de deputados pró-professores foi até o presidente da Alep, Ademar Traiano (PSDB), para tentar convencê-lo a liberar a entrada dos 480.

O presidente da Assembleia não liberou o acesso nem mesmo dos diretores da APP-Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Estado do Paraná.

Parêntese. APP significa Associação dos Professores do Paraná (APP). Como até 1988, funcionário público não podia ser sindicalizado, os professores criaram-na. A partir de 1989, a proibição caiu e os professores puderem criar o seu sindicato. Só que eles quiseram manter a marca APP. O sindicato é de professores e funcionários de escolas públicas.  Fechando o parêntese.

“Na hora em que essa notícia chegou lá fora, um helicóptero com policiais militares começou a fazer voos rasantes sobre os milhares de professores que estavam na praça”, relembra José Cândido de Moraes. “O intento, acredito, era desviar a atenção dos professores para começar o ataque. Foi o que ocorreu. ”

José Cândido é professor de História e Filosofia e integra um grupo chamado Cinema da Luta, que nasceu em fevereiro deste ano. Ele está fotografando e fazendo vídeos da greve e das manifestações, para produzir um documentário.

“Como os professores já estavam bastante assustados com os voos a baixíssima altitude do helicóptero, ficou mais fácil iniciar o ataque”, expõe. “De repente, os policiais começaram a lançar bombas e tiros de balas sobre os professores e demais funcionários públicos. ”

Concentrados na Praça dos Três Poderes, eles foram atacados covardemente pelas tropas do tucano Beto Richa e do seu secretário de Segurança, o delegado Fernando Franscischini, reeleito deputado federal em 2014 pelo Solidariedade.

Durante quase duas horas, 1.800 policiais lançaram sobre os manifestantes aproximadamente 1.500 bombas de efeito moral, além de balas de balas de borracha, gás lacrimogêneo, spray de pimenta e cães. Isso sem falar dos cassetetes pra todo lado.

“Eu nunca vi tamanho aparato policial”, avalia, ainda perplexo, Mário Sérgio Ferreira Souza. “Nós não esperávamos nem estávamos preparados para o massacre do dia 29. ”

Mário Sérgio é professor aposentado rede pública estadual (deu aula de matemática) e secretário de Assuntos Jurídicos da APP-Sindicato.

“Os policiais não agiram para conter ou dispersar a manifestação, como é a norma; eles nos atacaram”, prossegue. “Foi um ataque premeditado. Ao entrar na área do Centro Cívico, a tropa de choque foi dividindo e encurralando o pessoal que estava na praça. Ao mesmo tempo, jogava bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, balas de borracha, spray de pimenta e cães em cima da gente. ”

Sobrou até para o jornalista da Band, que foi mordido por um pitbull do Richa.

“Por ordem do governador e do secretário de Segurança, os policiais vieram preparados para o massacre”, observa Mário Sérgio. “Tanto que foram jogando as bombas indiscriminadamente em todos os cantos da praça, a ponto de atingir duas creches do outro lado da rua, deixando as crianças muito assustadas. ”

Mário Sérgio participou de todas as mobilizações de professores nos últimos 35 anos: 1978, 1980, 1981, 1982, 1986, 1988, 1990, 2001, 2014 e 2015.

Há divergência sobre o número de feridos. Segundo a Prefeitura de Curitiba serião 213. Para a APP-Sindicato, bem mais.

“Dos 392 professores feridos, mais de 90% foram atingidos da cintura para cima: cabeça, tronco, rosto, até nos olhos”, denuncia Mário Sérgio, secretário de Assuntos Jurídicos da entidade. “Na nossa avaliação, foi ordem do comando para que os policiais atirassem assim nas pessoas. ”

Um dos feridos é o advogado e blogueiro Tarso Cabral Violin.

 

O vídeo abaixo retrata o início do massacre. Mostra o exato momento em que o rosto de Tarso foi atingido por estilhaço de uma bomba. “Por dois centímetros, não fiquei cego”, observa o blogueiro, que fez BO e exame de corpo de delito.

“Os tiros de balas de borracha visavam atingir o rosto das pessoas. Os soldados miravam as nossas cabeças”, reforça José Cândido. “A impressão é de que queriam nos acertar de qualquer forma. Depois de um ataque com bombas e tiros, eles paravam um pouco. Esperavam a gente se aproximar e reiniciavam o ataque. Esse processo durou aproximadamente duas horas. ”

“Mulheres, senhoras idosas, estudantes e professores aposentados, todos foram atacados como bandidos”, continua, indignado. “Havia a intenção de ferir as pessoas. Os policiais miravam para acertar. Parecia que estavam fazendo um treinamento, utilizando os professores e professoras como alvo! ”

A truculência e covardia dos ataques não pararam por aí.

Bastava ter um aglomerado de três ou quatro pessoas, para os policiais atirarem nelas.

“Eles não respeitaram sequer a retirada dos feridos da praça”, enfatiza Mário Sérgio.

Do caminhão de som da APP-Sindicato, o pessoal implorava para que os policiais esperassem a retirada dos feridos. Mas os pedidos eram ignorados e as bombas sucediam.

Os feridos tinham que ser resgatados sob o “fogo” cerrado das balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral lançadas às vezes de longa distância.

“Os que caíam no chão eram ainda agredidos com cassetetes até que os colegas conseguissem levá-los para longe da linha de frente”, observa José Cândido.

Os policiais não portavam apenas as chamadas armas não letais, mas que podem matar, sim. Muitos carregavam também no coldre armas de fogo, como este soldado que está atrás das professoras. Na mão, ele tinha escopeta calibre 12 para balas de borracha. Na cintura, aparentemente uma pistola 380, que usa no dia-a-dia de trabalho.

Além disso, muitos dos policiais, que estavam dentro da Assembleia Legislativa na hora da votação, portavam uma submetralhadora.

“Portar armas de fogo em manifestações é um perigo a mais”, atenta Mário Sérgio. “O soldado é um ser humano. Na hora da pressão, pode acabar atirando. ”

Ele observa: “90% dos professores da rede pública do Estado do Paraná são mulheres. E a mulher tem mais o espírito de cuidar. Não é uma categoria que vai atropelando o outro. Ao contrário. Se a categoria tivesse mais homens, o massacre teria sido maior”.

“Na verdade, não foram as bombas e balas que me assustaram”, conclui José Cândido. “O que mais ainda me assusta é que os policiais não demonstraram qualquer compaixão, qualquer senso de humanidade. ”

Vergonha nacional. A excessiva violência do governo Richa no fatídico 29 de abril maculou a história do Paraná e do Brasil inteiro, como bem observaram os professores da USP num abaixo-assinado em solidariedade “com os todos os professores, funcionários e estudantes em luta”.

Agora veja quais deputados estaduais, mesmo sabendo do massacre dos trabalhadores napraça, votaram a favor da reforma da ParanaPrevidência.

Fonte: Viomundo

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