A Câmara dos Deputados aprovou em primeira votação o projeto de lei 3.179 que autoriza o ensino domiciliar (“homeschooling”). Trata-se de uma mudança na legislação educacional que põe fim a obrigatoriedade do ensino escolar no Brasil. Mais de 400 entidades sindicais e movimentos de educação divulgaram manifesto contrário.
Especialistas em educação denunciam
Para Nora Krawczyk, professora da Unicamp “o ensino domiciliar não pode ser tratado fora do contexto político que o Brasil está vivendo. Precisa ser compreendido como mais um forte ataque à escola pública, junto com a escola sem partido, as escolas militarizadas etc.”. Nora acrescenta que há “grupos econômicos que estão por trás da produção de material didático, inclusive com aulas gravadas” endossando a proposta.
Já Eudes Baima, da Universidade Estadual do Ceará, considera que “por óbvio nenhum pai ou mãe esteve jamais proibido de ensinar seus filhos e filhas em casa. Do que se trata agora é de equiparação da instrução escolar às lições caseiras. A educação escolar configura uma síntese, construída historicamente pela humanidade, dos elementos principais de compreensão do mundo”. Para o professor “a dita educação domiciliar arrancaria as crianças deste contexto de aprendizagem dos elementos necessários ao entendimento da realidade e os submete a uma aprendizagem que ninguém poderá atestar e que substituirá os conteúdos clássicos pelos preconceitos, mistificações e o senso comum das famílias, todo o contrário da função da escola”.
Salomão Ximenes, professor da UFABC, também é enfático na sua abordagem: “é necessário desfazer alguns mitos estrategicamente plantados durante a tramitação do PL”. Entre esses mitos ele explica que “as residências homeschoolers seriam incorporadas aos sistemas de ensino em quesitos como currículo, supervisão, avaliação – mentira, não há condições disso acontecer, é uma miragem criada para justificar a aprovação do projeto”.
Pais e profissionais da educação questionam
A defesa do homeschooling tem como fachada associações que defendiam a tese de pais não serem obrigados a enviar seus filhos para escola. São movimentos como o “Escola Sem Partido” e a histérica campanha contra “Ideologia de gênero”, apoiadas por Bolsonaro.
Para Enedino Soares, pai de Heloísa de 7 anos “a criança que não vai à escola não vivencia a diversidade nem os problemas que só o ambiente escolar proporciona”. Deborah Rocha, mãe do Luiz de 3 anos, explica “isso vai contra todos os avanços que a gente entende na educação. É um retrocesso no direito da criança de viver em sociedade”. A coordenadora pedagógica Jéssica Monteiro relembra o impacto da pandemia “O ensino remoto durante o início da pandemia desmontou a farsa do homeschooling, significa dizer que a escola é mais do que um ambiente propício às aprendizagens de conteúdos, é na escola em que aprendemos a fazer fila, a esperar nossa vez de falar, a conviver com a diversidade de visões de mundo (religiosas, políticas, culturais)”.
Para Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a proposta é uma tragédia. “Só tem retrocessos. A decisão fica para o adulto impor o que quer e o que pensa para as crianças. É uma interferência no direito de estar na escola”. Araújo denuncia a farsa de que o ensino será fiscalizado “alguém vai ter que ter tempo para supervisionar, mas a realidade é que o Estado, hoje, não tem controle nem sobre as escolas. E não vai ter controle para supervisionar casa por casa”.
Alexandre Linares