“Nós não temos direito a nada, se tivermos um problema de saúde, se sofrermos acidente grave, um assalto, ninguém vai cuidar de nós”, afirma Cléber Oliveira, motorista de aplicativo em Guarulhos (SP). Ele conta que em 2022 se envolveu em um acidente leve enquanto trabalhava em seu carro próprio. “Gastei quase R$ 4 mil. Saiu do meu bolso. Trabalho 12 horas e não consigo nunca tirar isso no mês, tenho que arcar com a gasolina, manutenção, seguro”.
Ele explica que, no Brasil, a taxa oficial que a Uber retém de cada corrida feita pelo motorista é de 45%, podendo chegar até 60%. “As empresas não têm mercadoria, não têm frota. Só administram o movimento e os ganhos.”
Cléber aderiu em 15 de maio à paralisação nacional de motoristas de aplicativo como a Uber e a 99, que cobrava o aumento dos valores das corridas. Para o trabalhador, “se o governo ficar seriamente do lado dos motoristas, é possível negociar e obrigar essas empresas a fazer como em outros países, em que os aplicativos precisam contratar os motoristas e garantir um salário mínimo.”
Condições de trabalho e direitos
Em 1o de maio – Dia do Trabalhador -, o presidente Lula publicou a criação da Comissão de Trabalho que vai tratar da regulamentação de plataformas e aplicativos, em formato tripartite, com representação de trabalhadores, empresas e governo.
Nicolas Souza Santos dirige uma associação de entregadores em Juiz de Fora (MG) e é membro da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos (ANEA). A Aliança pretende demonstrar à Comissão que “é totalmente possível você combinar a flexibilidade (de tempo) com direitos. A gente pode usar a tecnologia para a garantia desses direitos. Propomos, inclusive, que as anotações sejam feitas na Carteira de Trabalho digital por meio de uma plataforma pública”, ele explica.
Em uma carta publicada em 4 de março, a Aliança defende que a regulação das plataformas siga princípios como a formalização da relação de trabalho, definição de jornada e descanso semanal, liberdade de associação sindical e transparência do algoritmo – contra situações como a denunciada pelo entregador F. R. N., de Fortaleza (CE): “tem muita coação, se você não pega uma corrida que aparece para você no aplicativo, é penalizado.”
Ifood tenta legalizar a sonegação de direitos
Enquanto o governo organizava a discussão, o Ifood patrocinou a reapresentação de um Projeto de Lei (PL) o qual, “em troca” de contribuição à Previdência (o que Lula já prevê incluir na sua proposta de regulamentação, segundo seu discurso), estabelece que a relação é de prestação de serviço e “será de natureza civil, não se aplicando o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho”.
“Nós somos completamente contrários à esse PL do Ifood”, afirma Nicolas. “Nós somos a favor da Previdência, mas não queremos garantias só para quando não pudermos trabalhar, por doença ou idade. Nós queremos uma remuneração mínima, não é incomum um entregador sair e ficar horas parado na rua, sem fazer nenhuma entrega, sem receber nada por isso. O tempo dele vale, então se ele cede isso para plataforma, tem que ser remunerado.”
Esse embate interessa à toda a classe trabalhadora, em primeiro lugar em solidariedade, mas também porque há uma pressão para “uberizar” outras categorias. “Nas relações de trabalho, a legislação deixa claro que o risco e o custo do negócio é do empregador. As plataformas têm sido o único negócio que repassam para as costas do trabalhador, e agora querem referendar isso(…) O PL abre uma brecha absurda, que depois vai virar um abismo para a classe trabalhadora no Brasil”, conclui Nicolas.
Priscilla Chandretti