1968: o Maio-Junho francês – Parte 1

Dando sequência à série de artigos sobre o ano de 1968 (ver OT 825), destacamos os acontecimentos de maio e junho na França.

Com efeito, as primeiras imagens que vem à cabeça sobre 1968 são as dos estudantes franceses ocupando as ruas de Paris e seus slogans de “É proibido proibir”, “A imaginação no poder”, dentre outros.

Mas, ao contrário do que diz a grande imprensa sobre os 50 anos do maio-junho francês, via de regra reduzindo-o a uma revolta juvenil no plano dos costumes – liberdade sexual, mal-estar diante do conser­vadorismo – ele exprimiu um senti­mento mais profundo na juventude e na classe trabalhadora de se ver livre do regime de Gaulle (1). Senão como explicar a greve geral de 1968, a maior e mais poderosa realizada pela classe trabalhadora francesa?

Os estudantes se levantam contra a 5ª República

A origem dos acontecimentos se deu em 22 de março, quando o prédio da administração da Uni­versidade de Nanterre (Paris-10) foi ocupado em protesto contra a prisão de estudantes numa manifestação contra a guerra do Vietnam (2).

Em 3 de maio, diante da agitação crescente, tropas de choque invadem a Sorbonne e prendem 600 estudan­tes. De pronto milhares de jovens se concentram no Quartier Latin (3) e confrontam a polícia aos gritos de “Libertem nossos companheiros” e “Abaixo o plano Fouchet” (nome do ministro da Educação) que desqua­lificava os diplomas e queria reduzir o número de cursos universitários.

Diante do tamanho da revolta, a União Nacional dos Estudantes da França (UNEF) convocou a greve geral para 6 de maio, pedindo apoio da população e convidando os sindi­catos de professores e de operários a organizarem em conjunto a jornada de greve.

O governo e a classe dominante perceberam o risco e tentam que­brar o movimento, contando com o apoio da direção do Partido Comu­nista (PCF) para isolar os estudantes do movimento operário. Na capa do Humanité (jornal do PC), o dirigente Georges Marchais denuncia “falsos revolucionários que devem ser des­mascarados” e chama a “combater e isolar completamente todos os grupelhos esquerdistas”.

Vale lembrar que o PCF, ligado a Moscou, era a força hegemônica na esquerda francesa e considerava “gru­pelhos” os trotsquistas, maoístas, anarquistas e outras correntes pre­sentes no movimento. Havia os que, com frases radicais, também queriam impedir a união com o movimento operário e sindical, como Cohn­-Bendit (4) que dizia “os sindicatos são bordéis e a UNEF é uma puta”.

Mas, em 6 de maio, as forças poli­ciais atacaram várias vezes a enorme passeata que não se rompeu e os ma­nifestantes ficaram donos das ruas. Nos dias seguintes, as manifestações crescem e juntam estudantes com jovens tra­balhado­res. Nelas, dezenas de milhares  respondem aos dirigentes do P C F : “Nós todos somos um grupelho!”.

Em 10 de maio, um primeiro  comunica­do comum da UNEF com as centrais sindicais CGT e CFDT propõe “um amplo movimento de união dos tra­balhadores e dos estudantes”. À noi­te, barricadas são montadas em torno da Sorbonne, que segue ocupada pela polícia. No dia seguinte, o jornal da FER5 escreveu: “Os estudantes e jovens trabalhadores demonstraram sua coragem e vontade de combate, enquanto os Cohn-Bendit e outros pequeno-burgueses demonstraram sua falência política”.

A indignação popular diante da repressão da noite de 10 de maio se combinou com o início da mobi­lização da classe operária, com os sindicatos convocando uma greve geral de 24 horas para 13 de maio. O governo, diante desse anúncio, retira a polícia da Sorbonne e liberta a maioria dos estudantes presos em 3 de maio.

Mas a greve geral vai envolver o conjunto da classe trabalhadora, como veremos na próxima edição, entrando no mês de junho.

Notas

  1. Charles de Gaulle: presidente da França (1959-69), chefe de um regime bonapartis­ta – o regime do “golpe de Estado perma­nente” como se dizia – feroz adversário da esquerda francesa. Morreu em 1970.
  2. Guerra do Vietnam (1961-75): con­tinuidade da guerra movida pela França contra a independência do Vietnam em 1955, foi concluída com uma derrota do imperialismo dos EUA. A juventude nos EUA e em várias partes do mundo fez um amplo movimento pela retirada das tropas invasoras.
  3. Quartier Latin, ou Bairro Latino de Paris, onde está a sede da Universidade Sorbonne. 4. Daniel Cohn-Bendit (1945): político franco-alemão, líder estudantil em 1968. Hoje se diz a favor do capitalismo e a “uma ecologia que regule a economia de mercado”.
  4. Federação dos Estudantes Revolucioná­rios, animada por militantes trotsquistas da então OCI, hoje a Corrente Comunista Internacionalista (CCI) do Partido Operá­rio Independente (POI).

“500 MIL TRABALHADORES NO QUARTIER LATIN”

Depoimento de Gerard Franquin, militante da FER em 1968 (1)

“Eu tinha 23 anos e estava na faculdade de letras de Paris onde era membro da FER, que constituímos uma semana antes do 3 de maio.

Nas frequentes discussões que tínhamos com o camarada Lambert (2), ele sempre citava a frase de Trotsky: ‘Quando os estudantes partem para o combate, o proletariado está logo atrás’.

Em 3 de maio sai do trabalho e cheguei no Quartier Latin. Eu con­hecia muita gente, pois era dirigente da UNEF-Sorbonne e membro da FER. Me lembro de ter dito numa reunião: ‘Toda a juventude se levanta contra a 5ª República. Agora a grande questão é a classe operária! Os trabalhadores não nos deixarão isolados. Unidos com eles obrigaremos de Gaulle a recuar’.

A orientação da FER se concentrou na palavra de ordem ‘500 mil trabalhadores no Quartier Latin’. A luta pela frente única operária se concentrava num objetivo preciso: uma manifestação de operários e estudantes, convocada por suas organizações, para fazer o poder recuar.

Em todos os panfletos, intervenções, nas portas de fábricas, afirmáva­mos a necessidade da união dos trabalhadores e estudantes. Mas não era assim para todos. A JCR de Alain Krivine (3), por exemplo, era contra essa união, pois diziam não ter confiança numa ‘classe operária stalini­zada’ e que era preciso construir ‘novas vanguardas jovens’.

Mas não tardou para que a combatividade dos estudantes tivesse eco na classe operária”.

Notas

  1. Publicado originalmente em “Informations Ouvrières” n° 500, órgão do POI francês.
  2. Pierre Lambert (1920-2008), dirigente trotsquista da OCI à época, faleceu há dez anos em 16 de janeiro, deixando como legado, além de sua participação no movimento operário e sindical francês, seu papel decisivo no combate pela reconstrução da 4ª Internacional, reproclamada em 1993.
  3. Alain Krivine (1941): líder estudantil em 1968, fundador da Juventude Comunista Revolucionaria (JCR) e em 1969 da LCR, seção do Secretariado Unificado (SU) revisionista da 4ª Internacional que se dissolveu em 2009 no Novo Partido Anticapitalista (NPA).

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