A defesa de Lula apresentou ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), durante o julgamento dos embargos (leia na pág. ao lado), uma nova prova que deveria levar à anulação do processo do triplex: a colaboração irregular de autoridades dos Estados Unidos (EUA) no caso, por fora dos caminhos oficiais. Como era de se esperar, o TRF-4 não concedeu a anulação.
Um vídeo divulgado pela defesa mostra declarações de participantes de um evento, ocorrido em julho do ano passado, que discutiu as “lições” do Brasil na luta contra a corrupção. Entre os palestrantes, estava Kenneth Blanco, então vice procurador geral adjunto do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ).
Blanco não se incomodou em revelar como funcionava a cooperação informal: “No começo de uma investigação, um procurador ou um agente de uma unidade financeira de um país pode ligar para seu parceiro estrangeiro e pedir informação financeira, como, por exemplo, identificação de contas bancárias. Uma vez que a investigação tenha chegado ao ponto em que os procuradores estão prontos para levar o caso ao tribunal, as provas podem ser requeridas através do canal de assistência jurídica mútua para que possam ser aceitas como provas durante o julgamento”. Destacando a condenação de Lula, Blanco disse que o DoJ ajudou na coleta de provas e na preparação do caso.
Pela legislação brasileira, qualquer solicitação de assistência em matéria penal dirigida aos EUA deve passar pelo Ministério da Justiça. Burlando essa exigência, os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) que atuam na Operação Lava Jato comunicaram-se com autoridades estadunidenses do DoJ, para que elas ajudassem na “construção do caso” no processo do triplex.
Não se trata de dizer que o encaminhamento pelo Ministério da Justiça, nesse caso, seria necessariamente aceitável – ainda mais sob um governo golpista. Mas nem mesmo a soberania formal do Brasil e suas leis são respeitadas pelos justiceiros de Curitiba. Recebem orientações diretas dos EUA, como se fossem seus empregados, e não do Estado brasileiro. Além disso, ao desrespeitar o encaminhamento legal, o MPF obstrui e dificulta o trabalho de defesa dos acusados.
Rodrigo Janot, que na época ainda era o procurador-geral da República (chefe do MPF), reconheceu, no encontro, que “sem a cooperação jurídica internacional, seria impossível fazer o que nós estamos fazendo”.
Interesses antinacionais
O evento de 2017 foi promovido pelo Atlantic Council, organização vinculada a grandes empresas dos EUA e à Otan (aliança militar comandada pelo imperialismo estadunidense). Em sua fala, Blanco deixou claro que a parceria com os procuradores brasileiros não se baseia em tratados, mas na “confiança”, e disse: “Tal confiança (…) permite que promotores e agentes tenham comunicação direta quanto às provas”.
Ao agir assim, o MPF coloca um país estrangeiro (e justamente os EUA) para interferir diretamente em assuntos brasileiros. Mais uma demonstração de atendimento a interesses antinacionais.
É bom lembrar que o levantamento de US$ 1 bilhão em propinas que teriam sido pagas pela Odebrecht em 12 países foi divulgado em dezembro de 2016 pelo DoJ. Esse departamento estadunidense interferiu na investigação, mesmo não havendo denúncias de pagamentos feitos nos EUA, sob a justificativa de que as empresas “têm vínculo” com os EUA.
Como Blanco deixou claro, no evento de 2017, “cada vez mais nos vemos buscando provas e identificando testemunhas ao redor do mundo”.
Cláudio Soares