Lucien Gauthier editor de Informações Operárias (jornal do Partido Operário Independente) fala sobre a luta contra a “lei do trabalho”
O mundo todo acompanha com grande interesse a luta dos trabalhadores franceses contra a reforma do código de trabalho. A batalha está por ser ganha?
Já faz três meses que os trabalhadores, com suas organizações sindicais, se mobilizam contra o projeto de lei que destrói o Código do Trabalho, chamado El Khomri, nome da Ministra do Trabalho. Não é uma “reforma” a mais. É uma brusca reviravolta de todas as relações estabelecidas em nosso país. De fato, o projeto de lei do governo visa a destruir tudo o que foi arrancado pela luta de classes, em particular as conquistas da greve geral de 1936 e as da onda revolucionária de 1945.
Um exemplo do que está em jogo é o artigo 2o. do projeto que inverte a hierarquia das normas trabalhistas. De que se trata? Até hoje, na França, há um Código de Trabalho nacional que se aplica a todas as empresas. Abaixo dele há as convenções coletivas negociadas por ramos (metalurgia, química, etc.). Essas convenções coletivas não podem ser inferiores ao que estabelece o Código de Trabalho, podem somente ser superiores (ou seja, podem conceder mais direitos e melhores condições de trabalho em relação ao que estabelece a lei, mas nunca menos). Depois, há os acordos negociados em nível de cada empresa que não podem ser inferiores às convenções.
O Artigo 2o. desse projeto arrebenta com todas essas proteções e coloca a prioridade nos acordos de empresa que não precisarão mais respeitar as convenções coletivas e o Código do Trabalho. É o caminho aberto para a desregulamentação e destruição dos direitos.
Em meio a essa onda de greves e mobilizações, você como editor do IO presidiu a mesa da Conferência de 4 de junho, em defesa das conquistas de 36-45. Explique-nos o sentido dessa iniciativa.
A mobilização dos trabalhadores deste país é poderosa. Ademais, ela virou a paisagem política de cabeça para baixo. De um lado estão as centrais Confederação Geral do Trabalho (CGT), Força Operária (CGT-FO), Federação Sindical Unitária (FSU, majoritária no setor educação), Solidários-União Sindical e entidades da juventude que exigem a retirada desse projeto. De outro, a CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho – central de colaboração de classes que defende a contrarreforma) que apoia incondicionalmente o governo “de esquerda”. Os patrões deram a esse governo a missão de aplicar essa contrarreforma. A direita jamais foi capaz de ir tão longe e todos esperavam que, em virtude de suas relações, a “esquerda” poderia integrar o movimento sindical no acompanhamento da lei El Khomri. Mas nada disso aconteceu. Sob o impacto da mobilização dos trabalhadores, uma nova situação foi aberta com a constituição de um eixo de unidade FO/CGT no qual os trabalhadores se apoiaram para levar a luta. Há greves de ferroviários (maquinistas dos trens), em setores da energia, nos portos, etc. Ainda não é a greve geral – que não é decretada simplesmente apertando-se um botão – mas os trabalhadores estão obstinados a manter as greves e a se mobilizar pela retirada do projeto de lei. O Estado de Emergência, decretado pelo governo a pretexto de lutar contra o terrorismo, não pode impedir as manifestações de massa e as greves. Hoje, mesmo depois que começou o torneio de futebol da Eurocopa, que se realiza em Paris, o governo não consegue fazer recuar a mobilização dos trabalhadores. Nesta terça-feira, 14 de junho, ocorreu mais uma manifestação nacional em Paris chamada pelos sindicatos. Foi a maior manifestação de toda a luta contra o projeto, com cerca de um milhão de pessoas, em Paris e 300 mil em cidades do interior da França, apesar de provocações e da violência policial. O fato de ser em Paris, cidade sede do governo, é uma indicação política. Qualquer que seja o resultado dessa luta que se desenvolve há três meses, e que agudizou uma crise política sem precedentes, esse governo acabou. E a direita não está muito melhor. Não se trata apenas de uma crise de governo, é uma crise do regime. Falta menos de um ano para as eleições presidenciais de 2017 que, certamente, serão um novo passo a agravar essa crise política. Pois uma eleição depois da outra a abstenção beira os 80% e deputados são eleitos por 7% dos eleitores. Os trabalhadores, cada vez mais maciçamente, rejeitam esses partidos. Não há, é evidente, nenhuma força que pode pretender representar politicamente os trabalhadores.
Do que se trata quando vocês se referem à questão de “uma representação política”?
Em 4 de junho realizou-se em Paris uma Conferência Nacional em defesa das conquistas de 1936 e 1945. Apesar de o transporte ferroviário estar em greve participaram 1.800 delegados de todo o país. Militantes e dirigentes sindicais das centrais sindicais, militantes políticos do PCF (Partido Comunista Francês), do PS (Partido Socialista), do PG (Partido de Esquerda) e, evidentemente, militantes do POI (Partido Operário Independente) que tomou a iniciativa de convocar essa Conferência. Também havia prefeitos e vereadores, sindicalistas camponeses, democratas, jovens, estudantes secundaristas e universitários. Os militantes presentes tinham cada um a sua trajetória política e não necessariamente compartilhavam o mesmo ponto de vista sobre todas as questões, mas eles decidiram debater e agir em comum para fazer prevalecer os interesses da classe operária. A Conferência adotou um chamado que propõe preparar uma plataforma para “abrir a via a uma saída política conforme os interesses dos trabalhadores, um programa que outrora se chamava socialismo, abandonado por todos aqueles que, ainda há pouco, dele se reivindicavam”.
A Conferência também decidiu impulsionar a constituição de “comitês de ligação e intercambio”, quadro de organização flexível que permita reunir dezenas de milhares de militantes e trabalhadores. Também foi decidido que o jornal Informações Operárias será o instrumento de ligação entre todos esses militantes.
Artigo publicado na edição nº 788 do Jornal O Trabalho de 17 de junho de 2016.