O presidente Lula anunciou, em 28 de agosto, a nova tabela de Imposto de Renda, apenas elevando o valor de isenção para salários até R$ 2.640 mensais. É um pequeno alívio, mas muito pouco para avançar de verdade contra a injustiça tributária existente no Brasil, na qual quem paga mais imposto é a classe trabalhadora, e os ricos quase não pagam. O assunto parece complicado, mas algumas explicações podem simplificar. Vamos por partes:
a) O imposto de renda atinge os diferentes salários por faixas de valor. Por exemplo, após a medida de Lula, salários mensais até R$ 2.112,00 são isentos de imposto. Para salários acima disso, a faixa salarial entre R$ 2.112,00 e R$ 2.826,65 é tributada em 7,5%, o que dá até R$ 53,60. Subindo mais, a parte do salário entre R$ 2.826,65 e R$ 3.751,05 é tributada em 15%, o que dá até mais R$ 138,66. E assim sucessivamente: a próxima faixa vai até R$ 4.664,68 (22,5%) e, acima disso, o rendimento salarial é taxado em 27,5%. Primeira conclusão: quem ganha R$ 5.000 já tem parte de seu salário taxado em 27,5%, a mesma porcentagem que incide sobre um salário mensal de R$ 50 mil, dez vezes maior. Não é justo.
b) Quando se fala em reforma tributária, os empresários e banqueiros gritam e esperneiam, e os analistas econômicos alertam contra a “elevação da carga tributária” (aumento geral de impostos), como se fosse um problema geral de toda a sociedade. Mas, quando se discute a mera correção pela inflação da tabela do imposto de renda, a abordagem é outra: ignora-se que a falta de correção aumenta o imposto sobre os assalariados,e aí a imprensa discute apenas o “custo” da medida, ou seja, a “perda de arrecadação” com a correção (que de fato não é perda, é apenas deixar de aumentar a carga de impostos).
c) Vamos ver exemplos. O Imposto de Renda é estruturado em valores fixos de salário: por exemplo, o governo Dilma, em 2015, fixou a isenção para salários até R$ 1.903,98. Houve o golpe de 2016, e nunca foi feita nenhuma correção. Resultado: em abril de 2015, quando esse valor foi fixado, ele tornava isento quem ganhava até 2,42 salários mínimos (R$ 788 à época); em janeiro de 2023, só ficava isento quem ganhava até 1,46 salário mínimo (R$ 1.302). Veja como Temer e Bolsonaro aumentaram a carga tributária sobre os baixos salários! Isso ocorreu porque, com a luta de classes pela recuperação das perdas inflacionárias, os salários sobem; se a tabela fica parada em valores mais baixos, o imposto sobre os salários aumenta. Em resumo, apenas para manter as coisas como estão num dado momento, é preciso reajustar a tabela todo ano pela inflação. Se isso não for feito, o imposto para a classe trabalhadora aumenta.
d) é preciso lembrar também que o último ano em que a tabela foi reajustada plenamente pela inflação foi em 1995. Naquela época, aliás, existia uma alíquota de 35% para os salários muito altos. O governo Fernando Henrique deixou de reajustar a tabela anualmente, e se incumbiu de aniquilar a alíquota mais alta… Pequenos exemplos: se a tabela tivesse sido reajustada pela inflação desde 1995, a isenção hoje estaria pouco acima de R$ 4.300 mensais. Vamos dar um exemplo completo: peguemos alguém cujo salário hoje é de R$ 5.000 mensais. Com a correção da tabela desde 1995, pagaria mensalmente R$ 50,54 de IR; se houvesse a correção pelo menos desde 2015, pagaria R$ 149,10 ao mês; entrou em 2023 pagando R$ 505,64 mensais; com a medida anunciada pelo presidente agora, passa a pagar R$ 490,04.
e) vamos entender a medida de 28 de agosto: o presidente não anunciou a correção da tabela. Apenas elevou a faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 2.112. Anunciou também que quem ganha até R$ 2.640 terá deduções especiais que deixarão o salário isento. Para quem ganha acima disso, as faixas continuam sem correção desde 2015: o resultado da correção na faixa inferior é uma redução do imposto em R$ 15,60 ao mês, como se vê no exemplo acima.
f) como já vimos em números passados de “O Trabalho”, a justiça tributária passa pela reforma em regra do sistema, reduzindo o imposto sobre circulação de mercadorias (que todos pagam igualmente nos produtos que consomem), e ampliando muito o imposto sobre renda e patrimônio, e voltando a taxar lucros e dividendos (que o mesmo Fernando Henrique tornou isentos!!!). Uma bom começo para o governo Lula atender aos anseios dos trabalhadores seria corrigir a tabela integralmente pela inflação desde 2015, reduzindo o arrocho produzido por Temer e Bolsonaro contra a classe trabalhadora e os salários médios.
Paulo Zocchi
Governo sanciona aumento da isenção do IR, mas ainda é muito pouco
Medida foi sancionada junto com aumento do salário mínimo e já estavam em vigor