Guedes quer sair do cangote do patrão e apertar o torniquete no peão

540 mil trabalhadores. É o número de empregados em frigoríficos no Brasil. Eles podem ser atingidos pelo fim da Norma Regulamentadora (NR) 36, que está em discussão no Senado. No bordão de Paulo Guedes “tirar o Estado do cangote das empresas”. Esse governo, que segue empurrando o país ‘de volta para o passado’, quer deixar os empresários livres de qualquer regulamentação, como no século XIX. Em março já houve a revisão da NR 1, que com o novo texto permite, a partir de 2022, que as empresas criem por conta própria um “Programa de Gerenciamento de Riscos”. Cada qual com suas regras, ao bel prazer dos patrões.

A NR 36 (2013) é específica para os frigoríficos. Ela exige, dentre outros itens, EPIs, a alternância de trabalho sentado e em pé, bancadas e esteiras que garantam postura e visualização adequadas de manuseio, segurança térmica e, principalmente, as pausas. Em função das tarefas intensas e repetitivas – em um ambiente farto em maquinário como serras, trituradores e objetos cortantes – e o agravante do frio, os funcionários têm direito a intervalos curtos a cada 50 minutos. Essas pausas são o principal objeto de ataque dos patrões, que não querem perder minutos de exploração do trabalho, mesmo que esses possam custar a vida dos trabalhadores.

Campeões de acidentes de trabalho e doenças
De acordo com a última edição do Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho (2019), o número de ocorrências no setor chegou a quase 23 mil. Uma média de 62 registros por dia! Só a JBS registra 20% das ocorrências. Um verdadeiro moedor de carne… humana. Neste ano pelo menos dois casos de morte ganharam notoriedade: em Dourados (MS) um trabalhador foi sugado por um triturador que faz hambúrgueres durante manutenção e, em São José (SC), um operário foi asfixiado na hélice de um equipamento de refrigeração, após escorregar.

Os frigoríficos também aparecem entre os dez principais segmentos que mais provocaram pedidos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez – às vezes por mutilação – aprovados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS/2012-2018). Além do maquinário de alto risco, o chamado frio ocupacional, comum nesses ambientes, pode desencadear ulcerações na pele, hipóxia (diminuição de oxigênio no sangue) e dormência no corpo. Há também maior risco para doenças respiratórias, como se viu no início da pandemia da Covid-19. Ainda existe o risco de infecções, que são associadas à presença de agentes biológicos (bactérias e vírus), visto que se trabalha com produto perecível. Doenças relacionadas aos movimentos repetitivos e ao excesso de peso carregado também são muito comuns.

Doença é um bom negócio para os patrões caloteiros
E não para por aí. Faz anos que há um crescente de denúncias contra as grandes do ramo, como JBS, Marfrig, BRF e Minerva, de subnotificações das doenças do trabalho à Previdência Social. Para as empresas a doença é um bom negócio: dados do Ministério do Trabalho mostram que todas já foram multadas em diferentes estados pela falta de emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho). Mas a multa pela infração é muito baixa, via de regra vai de cerca de R$ 700,00 a pouco mais de R$ 3.000,00. Sem contar que as empresas raramente são responsabilizadas na Justiça. Dessa forma, vale a pena deixar trabalhadores adoecerem e omitir isso. Aliás, a JBS, com faturamento recorde de R$ 12,5 bilhões em 12 meses, também é a maior devedora do Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural): no fim de 2020 a dívida já era de quase R$ 400 milhões.

O fim da Norma vai piorar uma situação já difícil. É pra sair do “cangote” do patrão e apertar o torniquete no peão! Um manifesto foi lançado recentemente, assinado por profissionais da área da saúde do trabalhador, em defesa da NR 36.

Tiago Maciel

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