Há 47 anos a Revolução eclodia em Portugal

Neste dia, há 47 anos, em 25 de abril de 1974, a revolução eclodia em Portugal. A Revolução dos Cravos! Alguns à época viam nesse processo um golpe de Estado de uma ala da burguesia, mas para nós da 4ª Internacional, sim, um autêntico processo revolucionário estava em curso, sendo a última revolução proletária clássica na Europa que implantou formas de organização semelhantes às da Revolução Russa de 1917: desmantelamento do Estado burguês e dualidade de poder.

O fator determinante para seu desenrolar foi a rejeição da ditadura de Salazar pelas massas. Como produto e reflexo do período revolucionário, foi construída a Constituição de 1976 que – não sem contradições – consagrou liberdades e garantias fundamentais. São eles: direitos econômicos, tais como a estatização de setores estratégicos da economia, como bancos, água, eletricidade, transportes e sua irreversibilidade; direitos sociais como o direito universal à habitação, saúde e ensino; direitos trabalhistas como o direito de greve, proibição de lockout, direito de manifestação. No texto desta Constituição é estabelecido a transformação de Portugal “numa sociedade sem classes” afirmando ter como “objetivo assegurar a transição para o socialismo”, mediante “o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras”.

Em tempos de explosões sociais por todo mundo e movimentos que colocam em xeque seus governos que estão à serviço do capital, relembrar essa explosão social de abril de 1974 é importante, pois, retomando Lambert, “A revolução de Abril não está morta. São os segmentos revolucionários, conquistados em 1974-1975, que têm servido de suporte à luta da classe trabalhadora, e que ela retomará amanhã como ponto de apoio para tudo reconquistar”.

Nesse sentido, publicamos abaixo extratos de uma brochura publicada à época no qual Pierre Lambert nos apresenta o desenrolar dessa revolução.

Comissão Nacional de Formação da Corrente O Trabalho


O movimento para a constituição de comités e de comissões de delegados eleitos pelos trabalhadores até 29 de maio de 1974*

Nos primeiros dias que se seguiram ao 25 de abril, em todo o país, os trabalhadores apresentam as suas reivindicações. Em vários sectores, os patrões e as administrações cedem, sem que seja mesmo necessário parar o trabalho.


É assim que, nos bancos, as administrações satisfazem as reivindicações, mesmo sem greve. Os bancários organizam piquetes de controlo, nos aeroportos, para impedir a fuga de capitais; eles elegem os seus representantes, que constituem as comissões de delegados eleitos dos trabalhadores da banca. Foi assim que, a 14 de maio de 1974, os trabalhadores do Banco de Portugal exigiram, em simultâneo, o saneamento da administração e a nacionalização do banco. Eis o relato, redigido em Portugal, de alguns dos acontecimentos da primeira vaga de lutas, realizadas até 29 de maio.

“Sem dúvida, é a revolução proletária que está em marcha. É também um facto que a burguesia e os aparelhos estão decididos a encontrar todos os meios para fazer recuar as
massas o mais possível.

A participação do PS, e sobretudo do PCP, no governo (na medida em que o PS não poderia desempenhar um papel efectivo no seio do governo sem a presença do PCP, nas condições actuais – e tendo em conta a forma como isso foi feito:Cunhal, ministro sem pasta, vem a seguir ao primeiro-ministro na hierarquia; Avelino Gonçalves, também dirigente do PCP, é ministro do Trabalho) é demonstrativa tanto da radicalização das massas, como da vontade dos aparelhos de tomarem directamente a seu cargo a tarefa de fazê-las recuar, face ao risco de terem que se opor frontalmente a esse movimento, provocando assim rupturas maiores no seu próprio seio.

O movimento que se tinha começado a desenhar após o 25 de abril estendeu-se e alargou-se. Em todo o lado, tanto nas cidades como nos campos, os trabalhadores – mesmo as suas camadas ‘atrasadas’ – reúnem-se, expulsam as administrações, elaboram as suas reivindicações (6.000 escudos de salário mínimo – correspondente a 30 euros actuais –, 40 horas de trabalho por semana, 13° mês, um mês de férias pago com um prémio de férias suplementar, expulsão e – muitas das vezes – castigo dos directores e dos chefes fascistas, exigência frequente do fim imediato da guerra colonial e de retorno do contingente militar, bem como de ‘Nem mais um soldado, nem mais um tostão para a guerra!’ etc.).

Por um lado, é preciso ter em conta que estas exigências correspondem – em relação aos salários, por exemplo – a um aumento que atinge sempre 50% e, na maior parte dos casos, ultrapassa mesmo este valor, o que mostra tanto o grau de miséria anterior, como a vontade dos trabalhadores em acabarem com a exploração. E, por outro lado, mostra que este movimento (que, em certos sectores, vai muito mais longe, como veremos adiante, começando a atacar-se ao santo dos santos – a propriedade privada dos meios de produção) desemboca, imediatamente e de forma espontânea, numa situação de greve generalizada.

Uma vez elaboradas as suas reivindicações, os trabalhadores elegem os seus representantes sindicais – directamente em plenários – e põem-se em greve para as conquistar.

Em relação a estas comissões pró-sindicais – assim eleitas pelos trabalhadores – é importante assinalar que elas tendem, muitas das vezes, a ultrapassar o âmbito sindical e a desempenhar o papel de verdadeiros comités de fábrica, organizando a ocupação da fábrica e abrindo os livros de contas dos patrões, que dizem não ter capacidade financeira para satisfazer as suas reivindicações.

É igualmente significativo – e na medida em que a Junta Militar intervém como árbitro, em cada conflito – que os trabalhadores tendam a voltar-se para ela (e, em seguida, para o governo provisório, nomeadamente o respectivo ministro do Trabalho), exigindo-lhe a satisfação das suas reivindicações. Os mais diversos sectores dirigem-se, em manifestação, para a sede da Junta ou para o Ministério do Trabalho.

Em quase todo o país, estão em greve: os trabalhadores da construção civil (que desmobilizaram, em seguida) e os trabalhadores do sector têxtil (que são 200 mil). Dois mil dos trabalhadores e trabalhadoras deste último sector manifestam-se em Lisboa, a cantar: ‘A nossa greve é boa. Ela continuará até ganharmos. Se não nos derem os 100 escudos de aumento, expulsaremos o patrão!’

Em todo o país, as manifestações dos operários e das operárias do sector têxtil têm como palavra de ordem: ‘Abaixo a exploração capitalista!’

Estão igualmente em greve os metalúrgicos – tendo manifestado 20 mil no Porto, a 21 de maio –, os trabalhadores dos transportes suburbanos de Lisboa, os ferroviários de uma importante companhia privada de caminhos-de-ferro (a Sociedade Estoril-Sol) e os trabalhadores da maior parte dos grupos farmacêuticos internacionais (Bayer, Wander, Sandoz, Pfizer, Hoescht, Lepetit, Ciba etc.).

A 16 de maio, nos laboratórios da Hoescht, os grevistas apresentam um ultimato à administração, exigindo que esta ponha imediatamente à disposição – de uma comissão eleita pelos trabalhadores – todos os documentos (de carácter económico, financeiro e administrativo) da empresa. Esta exigência visa a avaliar se os argumentos apresentados pela administração, para recusar as reivindicações, são ‘autênticos’ ou não.

Um piquete de vigilância controla o acesso às instalações da administração, a fim de evitar a fuga dos documentos. Caso os administradores não satisfaçam as suas reivindicações, os trabalhadores declaram que darão publicidade aos documentos controlados e farão uma análise pública da sua gestão, informando os clientes e o pessoal médico sobre as situações anormais encontradas.

O movimento para a dualidade do poder
Os metalúrgicos dos estaleiros navais estão em greve (o texto da brochura faz a enumeração de uma série de greves que se multiplicam, estendendo-se a todo o país e a todos os sectores, das categorias mais exploradas – como é o caso dos criados das casas particulares – às grandes empresas – como a Firestone ou o Grupo Champalimaud –, ou aos serviços públicos – como é o caso do metro. O texto termina com estes exemplos, mostrando como é que – por meio deste movimento de conjunto – se coloca, em termos práticos, a questão da dualidade do poder.)

Pode-se dizer, garantidamente, que não deve haver uma única fábrica ou sector, em todo o país, nos quais os trabalhadores não se tenham, pelo menos, reunido para eleger representantes e apresentar as suas reivindicações.



O movimento para a dualidade do poder organizou-se, após o 25 de abril, ao nível das localidades. Nas Juntas de Freguesia (organismos do estado corporativo que administram as aldeias, as vilas ou os bairros das cidades – NdR) e nas Câmaras Municipais, os trabalhadores expulsaram os chefes das Casas do Povo e os presidentes das Câmaras, exigindo a destituição dos governadores civis (existia um representante do governo central por cada distrito – NdR), o que conseguiram. Para esses postos, elegeram os seus próprios representantes.

Este movimento está parado, actualmente, por um lado, pela pressa da Junta (do MFA) em ‘legalizar’ os presidentes das Juntas de Freguesia e os presidentes de Câmara eleitos pelos trabalhadores, e, por outro lado, em nomear ela própria, onde pode, os novos governadores civis, presidentes de Câmara e presidentes das Juntas.

Em vários lados, nomeadamente na administração pública, nos bancos, nos hospitais, nas sedes da Caixa de Previdência etc. – para evitar que se criassem estruturas de controlo dos trabalhadores sobre a empresa, a instituição ou o ministério –, a Junta Militar nomeou directamente representantes, ou cobre com a sua autoridade os antigos responsáveis.

Contudo, em muitos casos, os trabalhadores elegeram conselhos de gestão (é claro que a iniciativa do nome pertence aos dirigentes do PCP), que coexistem com os representantes da Junta.

Nas sedes da Caixa de Previdência, no Porto por exemplo, os trabalhadores desaprovaram as nomeações feitas pela Junta Militar e decidiram eleger comissões da caixa que, sem nenhuma função de colaboração ou de controlo em ligação com a chefia, permanecerão vigilantes para a defesa dos interesses dos trabalhadores; decidiram, também, que essas comissões se tornariam órgãos de defesa e de representação dos trabalhadores, autónomas e sem qualquer compromisso com os chefes.

Ao mesmo tempo, eles dirigem uma ‘exposição’ à Junta Militar, na qual afirmam ‘ter estabelecido estes pontos reivindicativos mínimos, para a concretização imediata do programa de bem-estar e de promoção da classe operária que o Movimento das Forças Armadas visa, declarando desde já que farão tudo para obter a sua satisfação.’

Entre estes pontos mínimos, contam-se os seguintes: ‘Que a administração efectiva das Caixas de Previdência seja atribuída aos sindicatos, como representantes dos trabalhadores, em colaboração com os funcionários da Previdência’ e ‘a elaboração imediata dos novos estatutos (da Previdência) com a participação directa dos seus funcionários’.

Aqui se situa a questão central em relação à qual se joga o futuro da Revolução Portuguesa: as ilusões das massas nos dirigentes dos partidos operários, que as conduzem a aceitar o ‘governo da Junta e do Movimento das Forças Armadas’, instituições às quais os trabalhadores, nessa etapa, dirigem as suas ‘reivindicações’…

É esta a contradição fundamental de todas as revoluções: a contradição entre, por um lado, as aspirações e as reivindicações que as massas formulam – apoiando-se nos órgãos embrionários do poder operário – e, por outro lado, as ilusões alimentadas pelos dirigentes dos seus partidos na Junta Militar, no MFA e no governo provisório (onde co-habitam ministros do PS e do PCP com ministros capitalistas, que fazem todos os esforços para abrir a porta à contra-revolução). Contradição que as massas não podem resolver senão com base na sua própria experiência e por meio da construção de um partido revolucionário dirigente, inteiramente dedicado à revolução.

É significativo que, muitas das vezes, os dirigentes dos partidos operários tenham estado na origem da criação destes ‘conselhos’, para os esvaziar de qualquer conteúdo logo a seguir. Houve mesmo casos onde, desde a primeira hora, esses dirigentes avançaram essa perspectiva, para a abandonarem logo de seguida… sem que nada tivesse sido feito para a concretizar. Mas, logo a partir das primeiras semanas após o 25 de abril, inicia-se um movimento – ainda hesitante e oscilante – para verdadeiros conselhos operários, estruturas de duplo poder.

Homenagem à Revolução em desfila de 1983

Como defender a democracia
Opondo-se à revolução socialista, os dirigentes do PCP não podem sequer assegurar a implementação do ‘regime democrático’ que dizem querer realizar. Podem dar-se as voltas que se quiser à questão: é impossível garantir a ‘democracia’ deixando os capitalistas salazaristas/caetanistas conservar as ‘alavancas de comando’. É impossível ‘defender a democracia’ e aceitar o decreto de 11 de agosto – promulgado pelo governo Vasco Gonçalves/ Álvaro Cunhal – que ‘retira todos os poderes às comissões de trabalhadores’ que tomaram a seu cargo o saneamento.

Sabemos que, na prática, as massas se opuseram à aplicação deste decreto. Já mostrámos qual foi o papel das comissões de delegados eleitos pelos trabalhadores na resistência da classe operária às manobras de Spínola, em agosto e setembro.

Depois do 28 de setembro (data do primeiro golpe de estado falhado de Spínola), tanto se reforçou a vontade das massas em prosseguir o saneamento dos capitalistas e dos fascistas, como se reforçou o combate da direcção do PCP contra as comissões de delegados eleitos pelos trabalhadores. As formas assumidas por este combate do aparelho do PCP são diversificadas. Por exemplo, numa empresa, ele opõe a comissão de delegados eleitos pelos trabalhadores à comissão sindical, denunciando a primeira como um instrumento de divisão. Noutros lados, o aparelho explica: ‘O MDP (Movimento Democrático Português, movimento de colaboração de classes – controlado pelo PCP, que Cunhal levanta contra o PS, isto é, contra a frente única operária) agrupa os antifascistas: portanto, não é necessário que as comissões de delegados eleitos dos trabalhadores se encarreguem do trabalho de saneamento’.

Por toda a parte, a direcção do PCP trava uma luta contra as comissões de professores, contra as comissões de moradores, contra as comissões de funcionários públicos. Trata-se de uma batalha surda – que a imprensa não relata – travada para destruir as comissões de delegados constituídas pelos trabalhadores.

Repetimos, de novo: a política dos dirigentes do PCP conduziria – se fosse levada até ao fim – a uma situação à chilena. Não é o caminho da ‘democracia’ que os seus dirigentes seguem. Para avançar nesta via, é necessário travar a luta para substituir o estado burguês desmantelado pela República das Comissões de delegados eleitos pelos trabalhadores (equivalente, na situação portuguesa actual, à República dos Conselhos operários e camponeses, ao estado-comuna). Uma verdadeira democracia não pode ser assegurada sem extirpar a reacção capitalista.

Conseguirão estes dirigentes, com a sua política, desmoralizar as massas trabalhadoras, impedindo assim o avanço da revolução socialista? Para responder a esta questão, iremos abordar o problema sob outros aspectos (…).

Como caracterizar, então, a situação presente? Depois do 25 de abril, em Portugal, existe uma extraordinária subida das massas, que procuram acabar com o regime capitalista. As massas dotaram-se de instrumentos: comissões de delegados eleitos, sindicatos e liberdades. Até agora, a burguesia falhou completamente todas as suas tentativas contra-revolucionárias. Esta é uma primeira constatação. Uma segunda é a seguinte: as direcções oficiais do movimento operário (PCP e PS) exercem uma pressão constante para travar e destruir a actividade revolucionária das massas.

Não existe partido revolucionário. Não existe um tal partido, ligado às massas e capaz de desempenhar, de modo imediato, o papel de uma direcção que conduza as massas à vitória da revolução; mas – é preciso que nos entendamos – não é o ‘partido’

que cria as condições objectivas da explosão revolucionária que as massas, com o seu próprio movimento, fizeram emergir no 25 de abril. As massas destruíram as instituições corporativas e desmantelaram o estado burguês. Mas a direcção – o partido revolucionário, que continua a ser o factor decisivo para obter a vitória – está ausente. Devemos disto concluir que a Revolução Portuguesa está irremediavelmente condenada à derrota? Em caso nenhum!

Nós não tiraremos como conclusão, longe disso, que haverá uma derrota inevitável por não existir ainda o partido revolucionário em Portugal. Para avançar na via da sua construção, muitas oportunidades estão abertas; e, mesmo se as massas forem obrigadas a recuar profundamente, mesmo se os dirigentes do PCP conseguirem no futuro travar e liquidar as comissões de delegados eleitos dos trabalhadores, o dispositivo político da burguesia para esmagar as massas não foi ainda constituído.



Repetimos, a burguesia sofreu uma nova e grande derrota no 28 de setembro. As massas estão em plena actividade. Esta actividade das massas agrava a crise política que se desenvolveu sobre a base do impasse social, colonial, económico e financeiro da burguesia portuguesa.”

*Documento retirado da revista A Verdade nº70, de abril de 2011, que por sua vez, são extratos dos documentos da OCI n°03 da brochura “25 de Abril: a Ditadura Fascista Afunda-se em Lisboa. Problemas da Revolução Portuguesa”, presente na revista A Verdade nº60/61 de junho de 2008, edição especial por ocasião da morte de Pierre Lambert.

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