Por ocasião da retirada das tropas da Minustah, entrevistamos David Oxygène, membro do Movimento de Liberdade, Igualdade dos Haitianos pela Fraternidade (Moleghaf) e da Coordenação Haitiana pela retirada das tropas da ONU.
David é um dos aderentes, no Haiti, da preparação da 9º Conferência Mundial Aberta (Argel, de 8 a 10 dezembro), convocada pelo Acordo Internacional dos Trabalhadores (AcIT). Várias jornadas de luta em defesa da soberania do Haiti, pela retirada das tropas da ONU, foram organizadas numa campanha internacional levada pelo AcIT. Campanha que teve seu impulso a partir da iniciativa iniciada no Brasil, com o concurso da Corrente O Trabalho do PT, que desde 2004 (início da ocupação), dirigiu-se ao governo brasileiro, então governo Lula, contra a ocupação, comandada por tropas brasileiras. Entrevista feita por Edison Cardoni.
O Trabalho – Que balanço você faz desses 13 anos de ocupação da Minustah, agora que a ONU decidiu retirar suas tropas?
David Oxygène – Durante esses 13 anos a Minustah foi mais e mais objeto de crítica e de luta de numerosos setores progressistas do país, em particular da Coordenação Haitiana Pela Retirada das Tropas da ONU, que agrupa várias organizações populares, políticas e sindicais. A Minustah fracassou naquilo que era a missão designada pela resolução 1542, de 2004, que seria garantir a paz, estabelecer o estado de direito, a segurança da população, etc.
Pelo contrário, foram 13 anos de flagrante violação dos direitos humanos, ameaças à segurança e ao progresso social, instabilidade e injustiça para o Haiti.
OT – Você pode nos dar exemplos dessas violações?
DO – Somente nos dois primeiros anos da ocupação (2004-2006), um total de 95 pessoas foram mortas por soldados da ONU. Os estupros e outros crimes sexuais acompanharam a Minustah desde o início. Já em 19 de fevereiro de 2005, Nadège Nicolas, uma jovem de cerca de vinte anos, foi violada por três soldados paquistaneses.
A liberdade de expressão, de reunião e manifestação também foi pisoteada por soldados da ONU com casos de batidas, vandalismos e brutalidades cometidas em instalações e sedes de organizações sociais e populares, como TET KOLE ou ANTEN OUVRIYE.
No bairro popular de Forte Nacional, onde a população sempre foi muito mobilizada contra a ocupação, em outubro de 2005, 13 jovens militantes próximos da organização política Fanmi Lavalas foram massacrados por soldados da ONU, em colaboração com a Polícia Nacional do Haiti (PNH).
No mesmo bairro, dois outros jovens militantes, estes do Moleghaf, ambos muito comprometidos na luta contra as forças de ocupação, também foram assassinados: Davidtchen Simeon em agosto de 2016 e Dangelo Romario Saint Jean em abril de 2017. Uma campanha internacional exige punição dos responsáveis.
OT – E quanto às vítimas do cólera, a ONU aceitou indenizar?
DO – Em julho de 2011, um grupo científico liderado por Renauld Piarroux publicou um relatório que concluiu que os soldados nepaleses da Minustah introduziram o vibrião do cólera no Haiti no ano de 2010. De acordo com as autoridades de saúde, mais de um milhão de haitianos foram contaminados e mais de 10 mil pessoas morreram.
Em agosto de 2016, a ONU reconheceu “seu próprio envolvimento no foco inicial [do cólera] e o sofrimento dos afetados”. Mas ela se esconde por trás da imunidade diplomática para negar a indenização das vítimas. Recentemente um tribunal dos Estados Unidos sentenciou em favor da ONU.
OT – Como transcorreu a vida política e sindical do país nestes 13 anos?
DO – A atividade sindical não foi poupada pela Minustah, pelo contrário, os sucessivos combates pelo aumento do salário mínimo foram severamente reprimidos pelos agentes da ONU na capital, Porto Príncipe, na comunidade de Caracol, no Parque Industrial (SONAPI), bem como nas zonas francas do país, as quais são o meio mais adequado que tem os patrões multinacionais para explorar os trabalhadores com um salário miserável que sequer atende às suas necessidades básicas.
Nos campos, os camponeses foram submetidos a numerosas extorsões da Minustah, cujos soldados roubaram bens e animais. E as Nações Unidas usaram empresas multinacionais para saquear recursos minerais (ouro em particular) em todos os departamentos do país, principalmente no norte e no nordeste.
Durante os 13 anos da Minustah, quem controlou a política do país foi a embaixada estadunidense. Todas as eleições foram realizadas com uma baixa taxa de participação e repletas de numerosas fraudes denunciadas pelos principais partidos políticos e, às vezes, reconhecidas pelas autoridades investidas nos poderes eleitorais. Com o apoio da força de ocupação da Minustah, as potências imperialistas decidiam quem deveria ser eleito.
OT – A Minustah se retirou. As Nações Unidas a substituíram pela Minujusth, Missão das Nações Para Ajuda à Justiça no Haiti. Como continuar a luta pela soberania do país?
DO – Está evidente que a presença dos capacetes azuis era um enorme obstáculo e um gigantesco dano à soberania do povo haitiano e não tinha nenhum fundamento legal ou legítimo. Durante esses 13 anos, o povo haitiano nunca aceitou a presença da Minustah e lutou incessantemente pela recuperação da soberania do país. Esta luta levou o Senado, em maio de 2013, por proposta do então senador Moise Jean Charles, a adotar uma resolução que exigia a retirada da Minustah, cuja presença foi considerada ilegal porque a autorização para o desembarque no Haiti não respeitou a constituição do país.
Essa resolução do Senado foi apresentada à ONU, em outubro de 2013, por uma delegação internacional. Houve outras delegações do mesmo tipo, em 2012 e em julho de 2017, no quadro de uma permanente campanha internacional que exigia a retirada das tropas. Por exemplo, em dezembro de 2008, foi realizada a 3a. Conferência das Caraíbas, em Pétion Ville, organizada pela Associação dos Trabalhadores e Povos do Caribe (ATPC); uma Comissão Internacional de Inquérito sobre o Haiti foi instaurada a partir da Conferência de setembro de 2009, em Porto Príncipe. Houve ainda Conferências internacionais em novembro de 2011 e junho de 2013, sem contar as diferentes atividades organizadas pelos companheiros brasileiros do Comitê Defender Haiti é defender a nós mesmos, tudo com o apoio do Acordo Internacional dos Trabalhadores.
A Minusjusth é uma outra forma de ingerência a serviço das mesmas potencias imperialistas. O combate vai continuar sem descanso por meio da Coordenação Haitiana pela retirada das tropas da ONU. O combate contra a ingerência estrangeira em nosso país, qualquer que seja sua forma, é permanente e até que o Haiti recupere seu direito a autodeterminação e à soberania.