Ucrânia: impasse do sistema, ‘transição energética’ e economia de armamentos

A crise do sistema capitalista se expressa num impasse que opõe a estreiteza dos mercados à massa de mercadorias (capital) que buscam a sua realização em mercados de consumo, que não há. É preciso, portanto, investir cada vez mais capital para aumentar a exploração da força de trabalho e, assim, obter o mesmo lucro em produtos com menor custo do trabalho (queda tendencial da taxa de lucro – 1850/60, Marx).

Desde o “Imperialismo, etapa superior do capitalismo” (1916, Lenin) que sabemos de uma nova situação no mundo. Depois que a partilha de todo o planeta em países dominados (colônias e semicolônias) pelas grandes potencias opressoras terminou, há mais de um século (virada do século 19 para o 20), o capitalismo busca abrir novos mercados invadindo outros países (nações), vem daí as guerras Inter imperialistas.

Daí, a conclusão de Lenin opondo as guerras às revoluções, que vem quando o proletariado “interno” de uma nação se levanta contra a exploração desenfreada – brutal redução do custo do trabalho – por parte de burguesias que não vencem ou perdem guerras, e não podem, portanto, oferecer nem mais as migalhas anteriores para a acomodação de uma aristocracia operária, reformismo etc. No mundo colonial e semicolonial os termos da mesma equação tornam-se ainda mais duros para os povos dos quais eram arrancados sobrelucros para distribuir em migalhas nas metrópoles coloniais, eles que nunca tiveram nem migalhas nos países capitalistas atrasados (coloniais ou semicoloniais), se acrecenta a opressão nacional da pilhagem, simplificadamente. A lei do cão!

Agora, estamos estudando a atualidade desta equação guerra/revoluções no século 21.

Em 2008, na crise do Lehman Brothers, esquematicamente, terminou de se esgotar o espaço de mercado deixado pela queda da União Soviética e dos regime do Leste (1990), espaço que já havia sido esticado pelo financiamento imobiliário louco nos EUA – um mercado artificial -, e levou à quebra de supergrandes bancos, alguns “salvos” por emissões de dívidas públicas faraônicas pelos Estados capitalistas centrais (até hoje se cortam despesas públicas para pagá-las). Mas não havia mais mercados, isso não tinha jeito.

Foi depois, que o imperialismo passou a tentar abrir-se outros “novos mercados” através da dita “transição energética” (ver o dossiê da revista A Verdade nº 109) – energia eólica, fotovoltaica, de hidrogênio, geodésica, carro elétrico etc. – tudo fartamente financiadas de novo pelos Estados centrais e a China.

Mas, atenção, o capitalismo nem por isso abandonou os mercados que já tem, em particular aqueles artificialmente criados desde antes, como o “balão de oxigênio” ao paciente moribundo representado, no caso, pela expansão triolionária da indústria de armamentos nas últimas décadas.

Os dados: quem sobe, quem desce

Vale à pena aproximarmo-nos deste mercado estimado em 1,7 trilhões de dólares em 2020, dos quais um terço, 531 bilhões, são exportações dos países-sede das grandes empresas produtoras de armamento (é menos importante a pequenas e média empresa nesta área).

Segundo o SIPRI, o respeitado Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz, de Estocolmo (Suécia), tivemos em 2020 (último dado disponível) o 6º ano consecutivo de crescimento, digamos “sustentado”, porque a pandemia nesta área, ao contrário de outras, nem fez cócegas.

Os EUA mantiveram a hegemonia: suas 41 empresas, dentre as 100 maiores do mundo, detém 54% do bolo das vendas totais. De 2019 a 2020 até cresceram 1,9%. O 2º maior vendedor tornou-se a China, cresceu 1,5%, mas detém apenas 13% do bolo total. E atenção, a Rússia, o ex-grande rival dos EUA, continuou caindo 6,5% de 2019 para 2020, ficando com apenas 5% do bolo (assim como caiu a França, outrora grande player deste mercado, a qual diminuiu 7,7% de 2019 para 2020, retendo uma fatia de 4,7% do bolo).

É o SIPRI quem explica que “nos últimos anos, alguns gigantes do Vale do Silício, como Google, Microsoft e Oracle, buscaram aprofundar seu envolvimento no negócio de armas e foram recompensados com contratos lucrativos” (reproduzido em OESP 26.01.22). Quer dizer, enquanto o mundo é “distraído” pelas Big Pharma, Big Oil etc., as maiores empresas do mundo, as Big Techs deitam na sopa dos armamentos. Não correm tantos riscos de sucesso de público de novos produtos high tech – celulares, smartv, TI, apps, redes etc. – vão no seguro da venda regulamente planificada aos Estados, corruptos todos, inclusive usando tais tecnologias de ponta.

Mas, categoricamente, neste âmbito são forças destrutivas, não as estagnadas forças produtivas!

Ucrânia na hora “certa”

Da ameaça de guerra na Ucrânia pela disputa Rússia / OTAN (EUA), ou melhor, Putin / Biden, imperialismo / autocracia, nós dissemos que havia o barulhos das botas com um cheiro de gás. Botas = armamentos, gás = energia.

Está claro que de um ponto de vista de mercado, o maior beneficiário de uma escalada militar atrás deste esboço de conflito na Ucrânia – o maior desde a 2ª Guerra Mundial – quem tira mais lucro é quem está sob a pressão de ter mais mercadorias para realizar (vender): o maior produtor de armamentos de sempre, os EUA, e o maior produtor de gás (e petróleo) desde 2016, os EUA também. Putin, por sua vez, aí é vítima de sua própria mecânica de ameaças, e arrisca quebrar o pescoço, não na mão do fraco exército ucraniano, mas pelo isolamento social e o descontentamento dos povos, a começar do povo russo.

A hora era “certa”, sempre sabemos depois quando chega, para esse sistema mostrar pela ameaça de guerra na Ucrânia, a urgência de ser abolido pela revolução. Nada da baboseira da declaração russo/chinesa de três semanas antes, que falava de equilíbrio num “mundo multipolar”. Aonde? A marcha é ao caos. Nada das vãs esperanças no dito “aliado” dos BRICS, Putin, quem se revela um autocrata aventureiro indefensável para qualquer progressista latino-americano com um real instinto de sobrevivência – Lula, Fernandez (Argentina), Boric (Chile), Obrador (México) e outros. O que não inclui Ortega (Nicarágua) e Diaz-Canel (Cuba), por supuesto, os quais não tem mais volta. Mas todos eles querendo na ONU (“consenso”?) uma solução.

Revolução é a solução!

O que começa por exigir em práticos e imediatos uma paz na Ucrânia, sem anexações (russas) nem intervenção (OTAN/EUA).

Markus Sokol, às 18 horas de 24/02/22

Artigos relacionados

Últimas

Mais lidas