Apoio à política de rearmamento do chancelar alemão, o socialdemocrata Scholz, leva à ruptura
Publicamos abaixo o texto do dirigente histórico Oskar Lafontaine que explica suas razões para romper com partido do qual foi um dos principais dirigentes. Lafontaine foi ainda Ministro das Finanças de Gerhard Schroeder e candidato derrotado a chanceler pelo Partido Social-Democrata em 1990.
“O Die Linke foi fundado para acabar com a regressão social e a pressão sobre os salários que a Agenda 2010 exerceu¹. Além disso, após a participação da Alemanha na guerra na Iugoslávia e na guerra no Afeganistão, que são contrárias ao direito internacional, uma nova força precisava surgir, uma força que se comprometesse novamente de maneira firme em agir pela paz, pelo desarmamento e pelo respeito ao direito internacional.
Graças a uma política voltada para esses objetivos, conquistamos 11,9% dos votos nas eleições federais de 2009 e entramos nos parlamentos de Bremen e Hamburgo, bem como nos parlamentos regionais de Eslésvico-Holsácia, Baixa Saxônia, Renânia do Norte-Vestfália, Hesse e Sarre.
No entanto, em 2015, o mais tardar, a direção do partido Die Linke da época começou a mudar seu rumo político. Com isso, o Die Linke transformou-se gradualmente num partido que perseguia objetivos semelhantes aos dos Verdes, esforçando-se para conquistar o mesmo eleitorado. Como resultado, muitos trabalhadores e aposentados se afastaram e retornaram ao SPD, abstiveram-se ou votaram na AfD (Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita, NdT) ou em outros partidos, em sinal de protesto. Na última eleição nacional, apenas 5% dos trabalhadores votaram no Die Linke.
Não se pode mais ignorar: os assalariados de baixa e média renda ou os aposentados não se sentem mais representados pelo partido.
Depois de ter varrido seu programa social, agora é a vez dos princípios da política de paz do Die Linke. A guerra contra a Ucrânia, contrária ao direito internacional, é a ocasião para isso. Na manhã da sessão especial do Parlamento, durante a qual o chanceler Scholz anunciou seu gigantesco programa de rearmamento, o porta-voz do grupo parlamentar para assuntos externos, GregorGysi, a presidente do partido, Susanne Henning-Welsow e outros membros do grupo parlamentar defenderam a aprovação da moção do governo, a favor do aumento dos gastos militares e da entrega em larga escala de armas para a Ucrânia. Felizmente, eles não conseguiram vencer. Imediatamente após, a liderança do partido anunciou publicamente que aqueles que defendiam os princípios fundadores do partido de política social e paz, eu em particular, seriam expulsos do partido. A comissão federal de arbitragem me informou que o processo de exclusão que está em andamento contra mim seria transferido para a comissão de arbitragem do estado de Berlim, que deveria decidir.
A alteração dissimulada dos princípios políticos do Die Linke é a razão das muitas derrotas eleitorais. No Sarre, o partido federal tem permitido durante anos a instalação de um sistema de fraude no qual os mandatos nos parlamentos nacional e regional são atribuídos com base em listas de membros manipuladas. Um membro normal do partido que não esteja envolvido neste esquema de fraude não tem a mínima chance de obter um mandato.
No passado eu deixei o SPD porque ele havia se tornado um partido que, contrariando a tradição da social-democracia de Willy Brandt, promovia a política de baixos salários, cortava pensões e benefícios sociais e apoiava a participação do exército alemão em guerras contrárias ao direito internacional. Eu queria que houvesse, no espectro político, uma alternativa de esquerda para a política de insegurança social e desigualdade; por isso fui co-fundador do partido Die Linke. O partido atual abandonou esta reivindicação.
Não quero mais pertencer a um partido que já não coloca no centro das suas preocupações os interesses dos trabalhadores e pensionistas, que não defende mais uma política externa baseada no direito internacional e na busca da paz, e que apoia o sistema de fraude estabelecido no Sarre”.
¹A Agenda 2010 é um conjunto de reformas sociais e trabalhistas implementadas entre 2002 e 2005 pelo governo social-democrata do chanceler Gerhard Schröder, (NdT)