Lula apresenta medidas de combate à violência contra a mulher

Em 20 de abril, o presidente Lula sancionou uma legislação que altera a Lei Maria da Penha para permitir o direito à medida protetiva de forma sumária. Ou seja, a partir do momento em que a vítima fizer a denúncia à polícia, a própria autoridade policial pode conceder uma medida protetiva de urgência, independente do ajuizamento de ação de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência, enquanto persistir o risco. Antes, dependia de decisão de um juiz, o que frequentemente demorava.

No início do mês, dia 4, Lula já havia sancionado outra lei, determinando que as Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAM) funcionem 24 horas por dia, aos finais de semana e feriados. Essa é uma pauta antiga dos movimentos de mulheres, que decorre do fato de que boa parte das agressões e violências acontecem à noite ou finais de semana.

Segundo levantamento do G1, realizado com os governos estaduais, apenas 60 de 492 DEAMS no país funcionam 24 horas, ou seja, só 12,1%. Em Juiz de Fora (MG), por exemplo, em uma audiência pública sobre isso realizada em março na Câmara de vereadores, os representantes da Polícia Civil alegaram que o funcionamento da Delegacia da Mulher além do horário comercial não seria necessário, pois a Polícia Militar e outras delegacias funcionam ininterruptamente.

Ocorre que toda a lógica da criação das delegacias especializadas vem de todos os problemas que as mulheres enfrentam diuturnamente para serem atendidas pelos demais agentes de segurança pública, mesmo em casos de emergências. Na audiência, a vereadora Cida, do PT, relatou o caso de uma mulher que sofreu violência ao longo de várias horas, com uma vizinha ligando para a Polícia Militar, a qual não se deslocou para o local. A vítima foi assassinada.

Mesmo com a lei, a luta pelo funcionamento ininterrupto vai precisar continuar. Após a assinatura da legislação, a Polícia Civil de Minas Gerais afirmou que “não tem os recursos humanos necessários” (outros governos estaduais seguiram na mesma linha).

Minas tem 69 delegacias especializadas de atendimento à mulher (para 853 municípios), e apenas uma, na capital, atende 24 horas. Em 2021, o estado registrou o maior número de feminicídios no Brasil: foram 154 mulheres mortas por companheiros ou ex-companheiros. Nos últimos três anos, o total foi de 478 feminicídios.

Assédio sexual
Também em 4 de abril, Lula assinou uma lei criando o Programa de Enfrentamento ao Assédio nos órgãos públicos (incluindo terceirizadas) “prevenir e enfrentar o assédio sexual e demais crimes contra a dignidade sexual e de todas as formas de violência sexual”. Entre uma série de medidas que tratam de capacitação de agentes públicos e campanhas educativas, o mais importante é que o programa cria protocolos para denúncia dos crimes sexuais. A lei vale nos três níveis (federal, estadual e municípios).

Já em março, no dia 9, o governo havia enviado ao Congresso Nacional uma mensagem propondo a assinatura da Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da violência e assédio no mundo do trabalho, em especial da violência de gênero. Uma convenção da OIT é uma espécie de tratado internacional, ao qual cada país pode aderir livremente, com conceitos, objetivos e diretrizes.

No Brasil, pelo Código Penal, o assédio sexual é entendido como um crime cometido contra a liberdade sexual de um trabalhador(a), pela sua chefia ou empregador. É diferente do crime de Importunação Sexual, quando a vítima sofre um ato libidinoso, como ser apalpada, em qualquer ambiente. Apesar de no uso cotidiano tudo isso ser entendido como assédio, na lei é apenas quando um superior hierárquico, em um função de um emprego, “constrange alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual.

Assim, o assédio submete mulheres a violência pelo fato de serem trabalhadoras, de dependerem do seu emprego e salário, e por isso é um verdadeiro obstáculo para a autonomia financeira, para o direito ao trabalho.

Para dar uma ideia do tamanho do problema, recentemente a Folha de S. Paulo divulgou um levantamento o qual mostra que existem, hoje, existem 48 mil processos trabalhistas em andamento que incluem queixas de assédio sexual. O número não considera aqueles que estão sob segredo de justiça, o que é muito comum em ações que tratam de assédio sexual. Então, são provavelmente mais algumas milhares de ações com esse tema. E como todo crime sexual, todos esses processos são muito poucos, uma pequena minoria, em relação ao total de casos que acontecem e não são denunciados.

A lei que tipificou o assédio sexual no código penal é muito recente, tem pouco mais de 20 anos. Antes disso, não existia nenhum dispositivo legal que tratava dessa situação. Essa tipificação foi um tremendo avanço, mas possui limites. Ela não se aplica quando a violência é cometida pelo colega de trabalho ou quando é cometida em decorrência do exercício do trabalho, por exemplo, por um cliente da loja no caso de uma comerciária, ou um pai de aluno no caso de uma professora de escola particular. Por mais que esses assediadores não sejam chefes das trabalhadoras, existe uma relação salarial, de remuneração, da qual estão tentando se aproveitar.

Nesse sentido, a Convenção 190 é mais abrangente, porque ela trata de assédio ou violências cometidas em qualquer situação relacionada ao trabalho – ainda que o entendimento da OIT de que um trabalhador pode cometer assédio sexual contra seu empregador seja um conceito questionável.

A adesão à Convenção precisa ser autorizada pela Câmara Federal e Senado – o que em si só não é nada fácil. Mas os frutos que sairão dela é que são elas. Aderir uma convenção da OIT é como assinar uma carta de intenções, mas as diretrizes internacionais dependem de medidas internas a cada país.

Ou seja, a assinatura pode significar uma oportunidade para se implementar meios mais efetivos para combater a violência de gênero no mundo do trabalho do que s que temos hoje.

Atualmente, em geral a mulher só consegue denunciar que foi vítima de assédio quando ela perde o emprego, porque justamente o assediador conta com o fato de que ela precisa daquele trabalho. Ou o contrário: ao denunciar que sofreu um assédio, a mulher perde o emprego.

Para que essa oportunidade seja concretizada, é preciso amplo debate e mobilização entre os movimentos de mulheres e da classe trabalhadora.

Priscilla Chandretti

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