Lula põe fim ao programa federal de escolas cívico-militares; vários governadores querem manter

Poucos dias depois de suspender o financiamento federal para as escolas cívico-militares, o governo Lula publicou em 21 de julho um decreto revogando o programa nacional, Pecim, herança de Jair Bolsonaro. O presidente Lula afirmou que a obrigação do MEC “é garantir educação civil igual para todo e qualquer filho de brasileira ou brasileiro.”

E o caráter excludente é justamente a marca das escolas cívico-militares. Não pela baixa abrangência do programa (que chegou a pouco mais de 200 escolas – felizmente!), mas porque a administração da PM ou das Forças Armadas impõe uma série de regras, que nada tem a ver com o ensino, e chegam a determinar inclusive padrões estéticos.

Assim, as escolas cívico-militares são instaladas prometendo segurança e disciplina, mas trazem denúncias de agressões de PMs a estudantes adolescentes, de encaminhamento rotineiro dos alunos a delegacias de polícia, do monitoramento e censura dos conteúdos lecionados (contrariando o argumento de que PMs e militares não atuam na parte pedagógica). 

Os relatos também envolvem alunas impedidas de assistir aula por não conseguir tirar um piercing do nariz ou por ter o cabelo “volumoso”. Uma estudante contou ter sido ameaçada por policiais, de que a obrigaram a retirar as tranças do cabelo. Frente ao assédio e racismo, alunos e professores que “não se adequam” ao modelo são pressionados a sair da escola. 

Privilégio no financiamento
O Pecim foi criado em 2019. Entre 2020 e 2022, o governo Bolsonaro gastou quase R$ 100 milhões nas escolas do programa. No momento em que chegou à sua maior adesão, envolvia 0,15% das escolas públicas e atendia 120 mil alunos (em um universo de 38,4 milhões de estudantes, segundo o Censo Escolar de 2022). 

Mas teve, em 2021 e 2022, uma das 15 maiores verbas discricionárias da educação básica (aquelas em que o ministro pode decidir onde gastar).

A distorção também se expressou no uso dessas verbas, já que a atual gestão do MEC informou que apenas R$ 245 mil foram de fato gastos na infraestrutura, e R$ 98 milhões foram gastos com bonificações dos 892 militares da reserva que atuavam nas escolas e recebiam até R$ 9,1 mil em adicionais. O Ministro da Educação, Camilo Santana, comparou com o salário dos professores, que receberiam R$ 5 mil. Mas o piso nacional do magistério é menor – R$ 4.420,36 – e centenas de municípios pagam abaixo do piso.

Modelo não garante ensino de qualidade
Especialistas da área, como o professor da UFABC Fernando Cássio, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, afirmam que não há evidências ou dados que comprovem a efetividade do programa na diminuição da evasão e na inibição de casos de violência escolar, como é prometido pelos defensores do modelo.

Eles também usam a reputação dos colégios militares federais para prometer a melhoria na qualidade de ensino, tirando proveito de uma proposital confusão entre os nomes. Os colégio militares, diferente das escolas cívico-militares, têm orçamentos maiores, professores com dedicação exclusiva e mais bem remunerados, maior infraestrutura e jornada escolar ampliada. Mas essa também é a realidade dos Institutos Federais e dos colégios de aplicação de universidades, os quais custam menos que os militares. 

O necessário e urgente é uma escola pública com professores e funcionários valorizados, com infraestrutura adequada, capaz de despertar o interesse pela educação. E também que seja segura – para todos os 38 milhões de estudantes das escolas públicas do Brasil.

Revogação do Pecim é correta, mas problema continua
O formato de escola cívico-militar existe no país desde os anos 1990, adotado por administrações estaduais e municipais, mas foi inflado nos últimos anos. Estimativa da professora Catarina de Almeida Santos, da UnB, é de que haja cerca de 800 escolas militarizadas pelo país, podendo no entanto estar próximo de mil. Antes do programa criado por Bolsonaro, entretanto, eram cerca de 200. 

Diversos governadores afirmaram que vão manter as escolas funcionando no modelo atual. No país, o estado com o maior número de escolas cívico-militares é o Paraná, que tem 12 escolas no Pecim e mais 194 no programa estadual. A Secretaria de Educação do Estado anunciou que vai migrar os 12 colégios do programa nacional para o estadual. 

A situação aponta que é necessário seguir a batalha contra esse modelo de ensino. O governo da Bahia, por exemplo, do petista Jerônimo, mantém um programa da Polícia Militar que gerencia escolas municipais no estado. Autorizado pelo governador Rui Costa, hoje ministro da Casa Civil de Lula, o programa chegou a 98 escolas em 2022. Os alunos são obrigados a obedecer 66 “normas comportamentais e de apresentação pessoal”, e recebem instrução militar e conteúdo semelhante ao de Educação Moral e Cívica (EMC) e Organização Social e Política Brasileira (OSPB), de acordo com informações do site de jornalismo “#Colabora”. Jerônimo deveria seguir o exemplo de Lula. 

Priscilla Chandretti

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