Mário Soares

Mário Soares é uma personalidade histórica cuja acção política marcou, de forma indelével, a vida do nosso país, durante a segunda metade do século XX e os primeiros anos do século XXI.

É inquestionável que Mário Soares faz parte daqueles que constituíram a resistência à ditadura fascista e à guerra colonial, cuja grande maioria ficou no anonimato, e que sofreram a perseguição, a cadeia e o exílio, alguns não conseguindo sobreviver ao atroz sofrimento da tortura nas masmorras da PIDE, que Mário Soares também conheceu. Ele faz parte também da plêiade de advogados que ousaram subir às barras dos tribunais do regime, para defender esses militantes presos e torturados, na sua grande maioria comunistas.

Homenagear Mário Soares é homenagear centenas de milhares de socialistas que se bateram para construir um país novo – lado a lado com outros militantes, trabalhadores e jovens – ao mesmo tempo que construíam e organizavam o PS como um partido para assumir os destinos do nosso país. Fizeram-no animados das mais profundas aspirações, que Mário Soares formulava nessa época de forma brilhante: «Queremos arrancar o nosso país do subdesenvolvimento, do obscurantismo, da subserviência e da incultura. »

Foi com este espírito que milhares e milhares de trabalhadores e de jovens socialistas lutaram e apoiaram Mário Soares quando este se opôs à ocupação do jornal República e, rompendo com o IV Governo Provisório, apelou à mobilização nacional para defender todas as liberdades democráticas (a começar na liberdade de informação), a democracia e o socialismo.

Depois destes passos tão determinantes na história da revolução, Mário Soares decidiu mudar a orientação do PS. Decidiu subordiná-lo às condições impostas pelo FMI, para fazer entrar Portugal na CEE. Nessa altura, Mário Soares não hesitou em defender, publicamente, que «era preciso pôr o Socialismo na gaveta».

Nós, fizemos parte dos milhares de militantes que não aceitaram esta viragem, o que nos valeu sermos expulsos do PS. Abriu-se um período muito difícil para a vida dos trabalhadores portugueses, ao mesmo tempo que se viram despossuídos do apoio do PS aos seus combates, já que dele foram afastados ou saíram, nessa altura, grande parte dos organizadores das comissões de trabalhadores e da luta por sindicatos democráticos e independentes.

As consequências desta mudança de orientação – nos sucessivos governos do PS e, depois, refinada quando assumiam o poder os partidos da direita – estão à vista de nós todos.

Na última etapa da sua vida, Mário Soares assumiu uma postura de combate a algumas das consequências desta política, ditada pelo FMI e pelas instituições da União Europeia, a política contida no Memorando da Troika e posta em prática (de forma refinada) pelo governo do PSD/CDS.

Fê-lo com os meios democráticos ao seu alcance – apelando à resistência e à mobilização. Lembremos a convocação de uma assembleia na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa (em novembro de 2013), na qual procurou unir todas as forças da oposição para pôr fim ao governo PSD/CDS.

Lembremos ainda, a título de exemplo, que Mário Soares não hesitou em ir a Viana do Castelo, para apoiar a mobilização unida dos trabalhadores dos Estaleiros navais dessa cidade, realizada em dezembro de 2013 e tendo como motor a sua Comissão de Trabalhadores, com as duas Centrais sindicais e com todas as forças políticas representadas na Câmara Municipal, criando um movimento de toda a população daquela região para impedir a privatização desses estaleiros.

Tratou-se de uma das lutas históricas do povo trabalhador português, traída pela Direcção do Sindicato dos Metalúrgicos do Distrito de Viana do Castelo, o que mostra onde estão alguns dos obstáculos colocados no caminho para o socialismo.

Mário Soares participou em combates, contra algumas medidas draconianas ditadas pelas instituições da Troika, tal como apelou para que o Grupo parlamentar do PS votasse contra a ratificação do Tratado Orçamental da UE, na Assembleia da República. Mas, reconheçamo-lo, Soares jamais afirmou ser contra estas instituições da Troika, ser contra a União Europeia, ser contra o capital financeiro.

A personalidade forte e marcante de Mário Soares ilustra, da maneira mais acabada, a afirmação de que a realidade não é branca ou preta, tem muitas cores.

Para os trabalhadores e para os jovens, é importante ter em conta o legado positivo de Mário Soares – o combate intransigente pela liberdade e pela democracia que, para nós militantes da 4ª Internacional, significa retomar o caminho da Revolução do 25 de Abril.

Lisboa, 9 de janeiro de 2017

Carmelinda Pereira e Aires Rodrigues

Deputados pelo Partido Socialista Português à Assembleia Constituinte (1975-76) e

à Assembleia da República (1976-79)

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