Não foi necessário esperar nem uma semana, mas apenas quatro dias, para que o governo dos Estados Unidos, através do secretário de Estado Anthony Blinken, “resolvesse” a controvérsia sobre os resultados das eleições presidenciais ocorridas em 28 de julho na Venezuela.
Em 1º de agosto, desde o seu gabinete em Washington, Blinken declarou Edmundo Gonzáles, marionete da ultradireitista Maria Corina Machado, como presidente eleito da Venezuela, com base em pesquisas, projeções e dados divulgados pela oposição numa página na internet.
Tal posição do imperialismo norte-americano, para além da sua habitual arrogância, clarifica o que está em jogo no país vizinho: a ingerência inaceitável dos EUA, antes, durante e depois das eleições presidenciais, em assuntos que dizem respeito à soberania do povo venezuelano. O que é um alerta também para todos os países da América Latina, tratados por Washington como seu “quintal”.
Recordemos que são os mesmos EUA que aplicaram uma política de sanções e bloqueio à Venezuela, com mais de 900 medidas econômicas, comerciais, diplomáticas e militares, a maioria vigentes até hoje, no que foram acompanhados pela União Europeia e governos de direita na região. Bloqueio que, em última análise, é o principal responsável pelo agravamento da crise econômica na Venezuela que provocou o êxodo de mais de sete milhões de seus cidadãos nos últimos anos.
A política regressiva de Maduro – em relação aos avanços e conquistas obtidos durante os anos de governo de Hugo Chávez – de privatização de empresas que haviam sido nacionalizadas, ataques recorrentes à Lei Orgânica do Trabalho (LOTT), repressão ao movimento sindical e prisões de dirigentes, como denunciaram vários setores da esquerda venezuelana pelo menos desde 2015, criou confusão em setores populares e pode ter deslocado uma parcela dos eleitores para a oposição.
Mas no atual momento nada é mais importante do que rechaçar de forma cabal a intromissão dos EUA, que é acompanhada por governos latino-americanos de direita e extrema-direita – como os do Peru, Argentina, Uruguai, Panamá, Costa Rica – em assuntos que dizem respeito somente ao povo da Venezuela.
Resultados eleitorais e manifestações de massa
O resultado proclamado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) na madrugada de 29 de julho, com 80% dos votos, foi reafirmado por um segundo boletim emitido em 1º de agosto com 97% dos votos apurados, atribuindo 51,2% a Maduro e 43% para Edmundo González, ainda sem o detalhamento da sua distribuição (as famosas atas).
É perfeitamente legitimo que se cobre do CNE que publique todos os dados dos boletins de urna que estão em seu poder de forma detalhada. Legalmente ele tem até 30 dias após as eleições para fazê-lo e o atraso atual estaria ligado, segundo o CNE e o governo, a um ataque de “hackers” ao sistema eleitoral.
Nessa situação, Maduro recorreu ao Tribunal Supremo (TSJ) de Justiça para que este órgão faça uma auditoria completa dos votos a partir das atas entregues por todos os 10 candidatos e 38 partidos que participaram do pleito de 28 de julho. O único que não compareceu ao TSJ para responder a essa proposta foi Edmundo Gonzáles, “autoproclamado” presidente por Maria Corina e reconhecido como tal pelo governo dos EUA.
Os governos do Brasil, México e Colômbia, que se apresentam como mediadores para uma solução venezuelana para a crise, criticaram a intromissão dos EUA que dificulta esse caminho e mantiveram o pedido de publicação dos dados eleitorais completos pelo CNE. Posição também mantida pela União Europeia, que até o momento não acompanhou os EUA no reconhecimento de González como presidente eleito.
Quanto à violência nas manifestações convocadas pela oposição desde 29 de julho, boa parte dela se refere a ataques a sedes e militantes do PSUV, a instalações governamentais e serviços públicos, recordando as “guarimbas” promovidas pela direita opositora em 2017, tendo sido fortemente reprimidas pelo governo, que divulga a cifra de mais de mil detidos e 12 mortes.
No sábado, 3 de agosto, tanto a oposição liderada por Maria Corina como o governo Maduro convocaram manifestações de massa em todo o país. Curiosamente na principal da oposição, ocorrida num bairro rico de Caracas (Las Mercedes), o “presidente eleito” Edmundo González não compareceu.
As manifestações pró Maduro foram bem maiores do que as da oposição, demonstrando que a defesa da soberania nacional, apesar do que se possa pensar do atual governo venezuelano, é a questão central para a maioria do povo e da classe trabalhadora, inclusive para que suas reivindicações possam vir a ser atendidas.
Neste momento crucial todas as forças anti-imperialistas e que defendem a soberania dos povos, independentemente da opinião que possam ter sobre a política de Maduro, devem estar ao lado da nação venezuelana, do seu governo e instituições, contra a ingerência do imperialismo dos EUA.
Julio Turra