O caso Agatha Felix

Policial responsável pela morte da menina, há cinco anos, é absolvido em júri popular

Há cinco anos, eu e a minha família aguardamos por este dia. Não está sendo fácil. É até uma resposta para toda a sociedade, para todos aqueles que choraram junto conosco. Para todas as famílias que ainda aguardam uma audiência, aguardam um julgamento e que possa ocorrer a justiça. Que o réu venha pagar pelo que ele fez.” Vanessa Sales, mãe da menina de 8 anos, Agatha Felix, morta por policiais em operação da PM no Complexo do Alemão em setembro de 2019, dentro de uma Kombi, ao lado da mãe. Cinco anos depois esta declaração de Vanessa foi dada no dia 9 de novembro de 2024 (Bom Dia Rio, TV Globo), antes do início do julgamento, por júri popular, do policial Rodrigo José de Matos Soares, responsável pela morte da menina.

O policial foi absolvido pelo júri, o que chocou as mães presentes no julgamento – que também tiveram seus filhos mortos, pela violência policial- e militantes do movimento negro. Ouvimos Rodrigo Mondego, militante do PT-RJ, advogado dos direitos humanos, que atua diretamente no caso.

O Trabalho: Você que acompanha o caso Agatha Felix, como vê a situação?

Rodrigo Mondego: O caso da Agatha é uma exceção porque poucos casos de violência policial chegam até o tribunal do júri. A maioria fica parada na delegacia ou no Ministério Público e normalmente, é arquivado, sem ir para justiça de fato. No caso da Agatha que andou esse tempo todo e chegou a júri popular, o que fica nítido é que a sociedade é conivente com a violência de Estado e com a violência policial. Os jurados, representantes da sociedade, foram coniventes ao absorveram o policial que matou a Agatha.

OT: E o Judiciário é conivente com a violência policial?

RM: Sem dúvida, todo o sistema de justiça criminal é conivente com a violência de Estado. Desde o delegado que não investiga o caso, que não recolhe provas, que tem total desleixo quando acontece a violência de Estado, ao Ministério Público que não denuncia quando tem que denunciar. Quando chega na justiça, muitas vezes, como no caso do João Pedro — jovem que foi morto por policiais dentro de casa no meio da pandemia — a juíza arquivou, absolveu sumariamente os policiais. O caso não chegou a ir para júri popular. Ou seja, todo o sistema de justiça é conivente com a violência do Estado. Mas se fosse fazer um recorte específico de quem é mais conivente, é o Ministério Público, porque ele tem o dever constitucional de fiscalizar a atividade policial e não fiscaliza. Então, ele é conivente com a barbárie promovida.

OT: Cresce o número de crianças mortas em operações policiais. Como avalia essa situação? A desmilitarização da polícia é uma saída?

RM: Existe uma legitimação para matar por parte dos agentes do Estado. Matar aqueles que o Estado entende como “matáveis”, os jovens negros de favela, que o policial, ali na ponta, entende que tem envolvimento ou não com o crime. Então, eles têm total possibilidade de matar, por isso entram em território de favela para matar quem está perto. Quem está passando do lado. Quem, aparentemente, tem algum grau de envolvimento é digno de ser morto. Mesmo se não tiver nenhum tipo de envolvimento com o crime. A lógica do “bandido bom é bandido morto” mata, inclusive, crianças ao possibilitar o policial matar à vontade. E tem outro fator também, uma prática usada pela polícia do Rio de Janeiro chamada “Troia”. Ela consiste em policiais se esconderem de forma ilegal, invadindo casas, escondendo de forma ilegal nessas casas para poder pegar os traficantes de surpresa. Só que eles não pegam só traficantes de surpresa. Eles pegam os moradores de surpresa de maneira geral. Quando eles fazem o ataque de surpresa, diferente de uma operação que tem toda uma logística, etc., as pessoas da favela, nas operações, conseguem comunicar os parentes nos grupos de WhatsApp. Então o pessoal acaba se precavendo. No caso da “Troia” não. Não tem como se precaver e isso faz morrer muitas pessoas sem envolvimento com o crime organizado, como, por exemplo, as crianças, mulheres grávidas e por aí vai.

A militarização é o que permite a PM ser tão violenta quanto é. E faz com que seja uma instituição que busque a eliminação de inimigos e não a garantia da segurança para todas as pessoas. Seja da mulher que tem o corpo violado, uma pessoa que foi agredida ou a pessoa vítima de latrocínio e por aí vai. A lógica da segurança pública fica no enfrentamento do inimigo e de eliminação dele. Então é preciso desmilitarizar a PM, desmilitarizar toda essa estrutura de segurança pública que hoje existe para eliminação de inimigos.

(Entrevista dada  a Jeffei)

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