Reforma ou contrarreforma do ensino médio?

Comissão da Câmara formula projeto para rebaixar os currículos e desqualificar

A Comissão Especial para a Reformulação do Ensino Médio, presidida pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), tem como objetivo alterar a Lei 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Longe de ser uma reforma para melhorar, trata-se de uma contrarreforma que precarizaria as condições de trabalho dos professores e pioraria a qualidade do ensino. Nesse primeiro artigo abordamos alguns aspectos.

O CANTO DA SEREIA

Na sua justificativa, o projeto explica “a partir da constatação, inclusive por meio dos resultados das avaliações nacionais e internacionais, de que o atual modelo está desgastado, com altos índices de evasão e distorção idade/série” e que a “necessidade de readequação curricular do ensino médio, de forma a torná-lo atraente para os jovens e possibilitar sua inserção no mercado de trabalho. O consenso foi que o atual currículo do ensino médio é ultrapassado, extremamente carregado, com excesso de conteúdos, formal, padronizado, com muitas disciplinas obrigatórias numa dinâmica que não reconhece as diferenças individuais e geográficas dos alunos”.

FUNÇÃO DA ESCOLA

O objetivo da escola é a difusão conteúdos acumulados nas diferentes disciplinas do conhecimento. É nela que, através dos professores, aprendemos os conteúdos estabelecidos com métodos de aprendizado. A escola pública, através de um currículo nacional, firma-se como um pilar constitutivo da nação.
FIM DAS DISCIPLINAS

A proposta modifica os currículos do ensino médio (antigo colegial/2o grau). Prevê a redução da grade para quatro áreas: linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza.

As diferentes disciplinas seriam esmagadas dentro dessas quatro áreas.

Significará, por exemplo, que professores de química, biologia e física vão entrar na mesma fila para disputar as vagas para professores de “ciências de natureza”. O mesmo acontecerá com professores de história, geografia, sociologia e filosofia na disputa para as vagas de “ciências humanas”.

A proposta também ataca a formação dos professores exigindo que: “Os currículos dos cursos de formação de docentes para o ensino médio serão organizados a partir das áreas do conhecimento”, apontando para a desqualificação profissional nos cursos de licenciaturas. Os atuais professores de diferentes disciplinas serão obrigados a se “requalificar” para serem polivalentes para sua área.

Trata-se de enquadrar o currículo escolar à proposta original do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2009, concebido com essa estrutura de “áreas do conhecimento” que, em vez de exigir conteúdos, exige dos estudantes “competências” e “habilidades”.

Esse modelo proposto de currículo por áreas acaba por negar o direito ao conhecimento dos conteúdos de cada disciplina, em nome de ensinar os estudantes a “aprenderem a aprender”, a serem “espertos”, enfim. Essas ideias são baseadas nas recomendações da “Conferência Mundial sobre Educação para Todos”, da ONU, realizada na Tailândia, em 1990.

Mas a própria prova do ENEM, desde 2012, passou sofrer mudanças, exigindo cada vez mais conteúdos específicos das disciplinas tradicionais na solução de suas questões, na contramão deste projeto de reforma do ensino.

ESCOLA INTEGRAL

O projeto ainda prevê a ampliação de 800 para 1400 horas de jornada escolar anual no ensino médio, para implantar a escola integral.

Em tese, é correta a proposta de escola integral, ampliando a jornada de estudo de 4 horas para 7 horas diárias de aulas. Mas ela só funcionará com mais verbas. Escola sem professor, sem estrutura, com 7 horas de aula significa um depósito de estudantes.

Em alguns lugares, onde se implantou escola integral houve fechamento das turmas noturnas, empurrando os estudantes que trabalham, para estudarem longe de suas casas.

Para uma escola integral é preciso ter todos os recursos necessários. A começar pela aplicação da lei do Piso Nacional Salarial do Magistério pelos estados e municípios, com concursos para professores efetivos e investimentos na infraestrutura das escolas. Hoje, a maioria das escolas depende dos recursos vindos de taxas cobradas de pais e estudantes para fazer sua manutenção.

A escola integral, para ser aplicada, exige amplos equipamentos poliesportivos, bibliotecas, laboratórios e espaços culturais. E o principal, valorização dos professores. Mas nada disso está previsto no projeto.

Alexandre Linares

 

Artigos relacionados

Últimas

Mais lidas