Jean-Jacques Marie •
A batalha de Stalingrado foi um momento decisivo da Segunda Guerra Mundial. Foi a primeira derrota do Exército nazista, a que preparou sua derrota final. Além disso, foi o Exército Vermelho que esmagou o nazismo, enquanto os norte-americanos mediam forças com o Japão pelo controle do Pacífico e os ingleses se ocupavam prioritariamente em defender seu império colonial ameaçado. Mas esta vitória, que custou caro em vidas ao Exército Vermelho, foi obtida não graças a Stálin, mas apesar dele.
Desde 1937, Stálin fez de tudo para paralisar o Exército Vermelho. Em nome dos interesses de seu grupo de burocratas e de seu próprio poder, ele, entre 1937 e 1939, dizimou o alto comando do Exército Vermelho e o corpo de oficiais.
Em 1939, a partir da assinatura do pacto germano-soviético, Stálin proibiu a propaganda antifascista, a ponto de bloquear a difusão na Alemanha de um panfleto antifascista do Partido Comunista Alemão, reforçando assim um pouco mais o regime de Hitler.
Em 1º de dezembro de 1939, Stálin desencadeou a invasão da Finlândia por empurrar a fronteira da URSS cerca de 30 quilômetros para o norte. O Exército Vermelho, desorganizado pelos expurgos, privado de um comando experimentado, se paralisa longo tempo diante da forte linha Mannerheim (linha de defesa da Finlândia) e sofre duras perdas durante quatro meses. O Exército Vermelho perde então 126.875 homens, mortos, desaparecidos ou aprisionados, contra apenas 20 mil baixas do Exército finlandês. A URSS, revelando sua fraqueza militar, encoraja Hitler a atacar. Hitler tinha feito ataques esparsos à União Soviética algumas vezes, mas o comportamento vergonhoso do Exército Vermelho ajuda o nazista a convencer seu Estado Maior de que poderia atacar a URSS antes de pôr a Inglaterra de joelhos, em um momento em que a vitória parecia muito fácil… Eis porque, em dezembro, ele adota o plano Barbarossa de ataque à URSS.
Mas Stálin não toma nenhuma medida para preparar a defesa da URSS. Ele espera persuadir Hitler com sua passividade e com a pontualidade pela qual atende todos os pedidos da Alemanha nazista de minerais diversos. O marechal Joukov assinala: “Até o início da agressão à União Soviética, a esperança de adiar a guerra nunca abandonou Stálin”. Sua incompreensão total da política e da psicologia de Hitler levou-o a proibir qualquer medida que o nazista pudesse ver como uma provocação. Stálin ignora todas as advertências que lhe vêm de toda parte – de seu agente no Japão, Sorge; do residente da NKVD (polícia política, depois KGB) em Kichinev, Goglidzé; e do adido soviético-ad junto em Berlim, Khlopov. Stálin não reage aos 324 casos de violação do espaço aéreo soviético pela Luftwaffe (força aérea alemã) entre 1º de janeiro e 22 de junho de 1941. Pior ainda, ele – que vê espiões por todos os lados, inclusive entre seus auxiliares próximos – autoriza grupos de especialistas alemães a entrar no território soviético para fazer levantamentos topográficos, sob o pretexto de encontrar túmulos de soldados alemães da Primeira Guerra Mundial.
As violações do espaço aéreo e os levantamentos feitos no solo permitem aos alemães mapear os locais que vão bombardear impunemente em 22 de junho. Stálin declara então ao marechal Timochenko: “A Alemanha não combaterá jamais sozinha contra a Rússia”.
Em 21 de junho, o chefe da NKVD, Beria, envia a Stálin duas notas. Sabendo que Stálin, julgando-se infalível, não suporta a menor critica, denuncia um informante soviético “que mente, afirmando que Hitler concentrou 170 divisões contra nós sobre nossa fronteira ocidental”, e conclui: “Mas eu e meus homens, Iossif Vissarionovicht [Stálin], nos apegamos firmemente em vossa sagaz previsão: Hitler não nos atacará em 1941”.
Assim que Stálin é informado, em 22 de junho de 1941, às 3 horas da manhã, que a Wermacht (Forças Armadas da Alemanha) havia entrado na URSS, ele se recusa durante horas a ordenar uma reação, e permite assim à aviação alemã destruir sem dificuldades cerca de mil aviões soviéticos em solo. Ele envia Molotov para verificar com o embaixador da Alemanha se seu país realmente declarou guerra à URSS antes de tomar a menor providência!
O avanço relâmpago da Wehrmacht, em face do despreparo de Stálin, permite que os alemães capturarem centenas de milhares de soldados soviéticos pegos de surpresa. Stálin, recolhido em seu escritório no Kremlin, qualifica de traidores essas vítimas de sua irresponsabilidade. Centenas de milhares de outros soldados se desorientam e fogem.
Numa estratégia genial, Stálin proíbe qualquer recuo em face da ataque em massa alemão. Em 29 de julho, Jukov, constatando que o Exército da frente sudoeste corre o risco de ser cercado pela Wehrmacht, propõe reagrupá-lo atrás do rio Dnieper e abandonar Kiev, a seu ver indefensável. Stálin o demite das funções de chefe do grande quartel-general do Exército Vermelho e exige de Khruschov que ele não recue de Kiev custe o que custar.
Em 10 de setembro, os blindados alemães abrem uma cunha no Exército Vermelho e ameaçam Kiev. Stálin proíbe que se evacue a cidade. Resultado: meio milhão de soldados soviéticos é feito prisioneiro. E foi assim até a batalha de Stalingrado.
Um relatório encaminhado a Beria pelo comissário da NKVD, Milstein, em outubro de 1941, informa que 657.364 desertores abandonaram suas unidades militares e foram capturados pelas seções especiais do NKVD, que fuzilaram 10.201. Quem é responsável por esta debandada, senão aquele que esperou a invasão para tomar alguma providência? Sem os erros catastróficos de Stálin, “o maior homem de todos os tempos e de todos os povos”, segundo a propaganda oficial, jamais as tropas alemães poderiam ter se aproximado da cidade. Em 1946, Jukov será acusado de haver declarado a alguns generais soviéticos: “Stálin era e ainda é um zé ninguém”.
À sua incompetência militar se somava uma prática política que consistia em resolver os problemas somente pelo terror. Os aviões soviéticos voam mal? Ele fez fuzilar Rytchagov, o chefe da aviação soviética. No entanto, os aviões não passaram a voar melhor! Em 1942, Stálin mandou fuzilar 32 generais acusados de serem os culpados por todas as derrotas que suas decisões causaram, e assim por diante…
Durante os cinco meses da batalha de Stalingrado, 13.500 soldados e oficiais acusados de covardia, deserção, recuo sem autorização e automutilação foram fuzilados pela NKVD.
Uma das lições da batalha de Stalingrado é a de que, para os povos, é de grande importância não ter como dirigentes homens que lhes fazem pagar muito caro por sua própria incúria, glorificada como a própria expressão de sua genialidade imaginária.
Jean-Jacques Marie, historiador francês, fundador da revista “Cahiers du Mouvement Ouvrier” (Cardernos do Movimento Operário), coordenador do Centre d’Études et de Recherches sur les Mouvements Trotskyste et Révolutionnaires Internationaux – CERMTRI (Centro de Estudos e Pesquisas do Movimento Trotskista e Revolucionário Internacional) e autor de biografias “Lénine: la révolution permanente”, “Trotsky: Révolutionnaire sans frontières”, e “Khrouchtchev : la réforme impossible”. Suas obras editadas no Brasil são “Stalin” (Babel), “O Trotskismo” (Perspectiva), “Os quinze primeiros anos da Quarta Internacional”, (Nova Palavra) e “Os Dissidentes Soviéticos” (Difel).
*Artigo originalmente publicado na edição Nº 239 (21 a 27 de fevereiro de 2013) do jornal “Informations Ouvrières” (Informações Operárias) do Parti Ouvrier Indépendant (Partido Operário Independente) francês.
Tradução: Anísio G. Homem.