Trump no meio da tempestade

Reproduzimos um artigo da autoria de Lucien Gauthier sobre a evolução recente das contradições da Administração dos EUA dirigida por Trump. O artigo foi originalmente publicado no semanário Informations Ouvrières do Partido Operário Independente, da França, de 24 de Agosto de 2017.

trump

 

Uma crise com uma amplitude nunca vista atinge a Administração dos EUA. As declarações de Trump, após os acontecimentos de Charlottesville, provocaram uma grande agitação no país. De todo os lados, é denunciada a recusa de Trump em condenar o racismo.

Mas é mais particularmente no seu próprio campo político que se erguem vozes a denunciar a atitude do Presidente. Muitos dirigentes do Partido Republicano criticaram Trump, tendo deles inclusive afirmado que “o país tem necessidade de estabilidade, e Trump é a instabilidade”. Este responsável republicano não tinha em vista somente a atitude do Presidente em relação aos acontecimentos de Charlottesville, mas a política de conjunto de Trump.

O Presidente foi obrigado a dissolver o Comitê Consultivo – composto pelos maiores patrões dos EUA – porque estes estavam se demitindo, um atrás do outro, recusando-se a trabalhar mais tempo com Trump. Seria errado acreditar que esses membros do grande patronato rompam com Trump por este não se demarcar do racismo de forma suficientemente clara. É evidente que eles agem desse modo para proteger a sua imagem, mas o essencial não é isso.

“Os mercados, que tinham saudado com euforia a chegada à Casa Branca de um homem de negócios republicano, duvidam cada vez mais da capacidade do Sr. Trump em pôr em prática o seu programa económico, que supostamente faria aumentar os lucros das empresas dos EUA. Este programa prevê uma reforma fiscal, combinada com grandes obras públicas (de U$ 1 trilhão) para renovar as velhas infraestruturas do país e uma forte desregulamentação, mas estas iniciativas estão derrapando e poderia lhes acontecer o mesmo que aconteceu ao seguro de saúde Obamacare, que o Sr. Trump não conseguiu reformar.” (Jornal Le Monde, de 19 de Agosto).

Os capitalistas dos EUA pretendiam uma Administração que eliminasse todas as regras que constituem um obstáculo aos seus lucros; mas não vêem isso avançar, nem no país nem em escala internacional. Quando o coração da classe dominante se demarca tão brutalmente do Presidente, isto é uma indicação de que o imprevisível pode acontecer. Um jornal financeiro publicado nos EUA, o Wall Street Journal, no seu editorial de 16 de Agosto, escreve: “Um Presidente republicano que perde o apoio do mundo dos negócios tem um grave problema.”

E também em escala mundial…
Esta incerteza e instabilidade exprimem-se igualmente no plano mundial, provocando as maiores inquietações nos círculos dirigentes imperialistas europeus sobre a capacidade dos EUA para assegurarem o controle da ordem mundial. Trump tinha anunciado que denunciaria o Acordo com o Irã sobre energia nuclear. Mas afinal ele não o denunciou, bem pelo contrário: a reformulação dos termos do Acordo, que previa a suspensão progressiva das sanções contra o Irã, irá reforçá-las, intrometendo-se assim plenamente na crise do Oriente Médio, na qual a Arábia Saudita – apoiada por Israel – ataca o Qatar para tentar isolar o Irã, tendo como pano de fundo a guerra na Síria e no Iraque. Para grande desespero dos dirigentes da União Europeia e de alguns dirigentes americanos, o Irã ameaça agora retirar-se desse acordo nuclear.

Trump ameaçou a Coreia do Norte com uma intervenção militar. O que provocou uma reação do Presidente da Coreia do Sul, opondo-se a tais declarações. Por outro lado, o Presidente dos EUA impôs novas sanções contra a Coreia do Norte na ONU, conseguindo que, pela primeira vez, a China tenha votado a favor destas sanções e começado a tomar medidas contra a Coreia do Norte. Logo a seguir, Trump saudou o anúncio de uma trégua feito pelo dirigente máximo norte-coreano. E, de imediato, o seu conselheiro Steve Bannon – reputado ideólogo da extrema-direita – explicou à comunicação social o verdadeiro conteúdo dessa saudação: “Neste assunto, a questão não é a Coreia do Norte, mas sim a guerra comercial com a China”. Ato contínuo, foi demitido por Trump (em oito meses, já 17 conselheiros tiveram o mesmo destino).

…anunciam-se situações imprevisíveis
De igual modo, Trump ameaça a Venezuela com uma intervenção militar, provocando reações negativas – inclusive nas fileiras dos seus mais próximos aliados na América Latina – com medo de um levante dos povos. Mas não são apenas os governos latino-americanos a se inquietar.

O New York Times sublinha as contradições no seio da Administração dos EUA: “O Vice-presidente Mike Pence, num discurso proferido a 21 de Agosto, mostrou-se mais conciliador, ao dizer que deve ser feita uma abordagem diplomática para parar a deriva da Venezuela para um regime autoritário.”

É notório que Trump tem uma faceta de gesticulação e de improvisação. Mas também é inegável que Trump procura reforçar o poderio dos EUA e assegurar a sua proeminência à escala mundial. Mas, ao tentar fazê-lo segundo esta via, ele só exacerba as contradições já existentes em todo o mundo. Foi assim que, após ter anunciado a retirada das tropas dos EUA que ainda estão no Afeganistão… veio dizer que mudou de opinião e que as irá reforçar.

O cenário é de uma instabilidade generalizada. Esta crise na classe dominante dos EUA é uma refração da crise mundial e, ao mesmo tempo, a acelera. Tal como o patronato dos EUA tem necessidade de um poder forte, também os governos europeus – espectadores marginalizados – se encontram sem uma liderança clara dos EUA. Esta instabilidade mundial pode desembocar, a qualquer momento, em situações imprevisíveis.

Lucien Gauthier

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