Tutela militar escancarada com julgamento do 8 de janeiro

Há uma operação em curso: oferecer alguns anéis para salvar os dedos

Três golpistas já foram condenados pela maioria dos ministros do STF, que seguiram o relatório de Alexandre de Moraes no julgamento relativo aos acontecimentos de 8 de janeiro. 

Eles foram condenados por dano qualificado, deterioração de patrimônio público tombado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e associação criminosa. Dois deles a 17 anos. Um a 14 anos. Outros julgamentos já começaram e, no total, o STF admitiu até aqui processos contra 1395 pessoas. 

No decurso dos debates, Moraes, ao defender que o julgamento deveria mesmo ser realizado pelo Supremo (em vez de instâncias inferiores) justificou que em “outro núcleo investigatório estão inúmeros deputados federais, senadores da República e outras autoridades com foro privilegiado”. O mesmo Moraes, no entanto, fez questão de afirmar: “O exército brasileiro não faltou aos brasileiros e à sociedade. O fato de militares estarem sendo investigados, não macula uma verdade histórica que deve ser aqui proclamada: o exército brasileiro não aderiu a esse devaneio golpista”. 

“Xandão” não é o único a sinalizar às Forças Armadas (FA). Há uma operação para salvar a cúpula das FA. Outros ministros do Supremo o fizeram, “esquecendo” dos inúmeros episódios de incitação ao golpe protagonizados pela cúpula das Forças Armadas, que ajudaram a culminar no 8 de janeiro. Vale lembrar a fatídica nota do dia 11 de novembro de 2022 destinada “às Instituições e ao Povo Brasileiro”. Nela, os comandantes das três forças escancaravam a tutela militar ao afirmar as “tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.” e validavam os acampamentos golpistas que pediam “intervenção militar” na porta dos quartéis. 

Aliás, a própria existência dos acampamentos, em áreas de segurança nacional, seria impensável sem uma total cumplicidade da cúpula do Exército. 

No mínimo, o alto-comando das três forças deveria ser acusado de prevaricação, e não só pelas notinhas golpistas, pela complacência com os acampamentos e a falha ao defender os prédios dos três poderes da turba fascista. É que tudo indica que debatiam abertamente a possibilidade de golpe, como se fosse uma discussão normal, numa feira.

De acordo com os pequenos trechos revelados da delação do Tenente Coronel Mauro Cid, o ex presidente Jair Bolsonaro teria se reunido com alguns militares – os comandantes das forças – para perguntar se eles estariam fechados com ele para contestar o resultado das urnas. A reunião não foi denunciada. 

Em outra ocasião, em entrevista à uma jornalista da Globo News, o presidente do Supremo Tribunal Militar, Francisco Camelo, teria dito “Nenhuma vez o alto comando de nenhuma das três forças aceitou integralmente o golpe”. Logo, conclui-se, discutiram abertamente a questão.

Em qualquer lugar, seriam todos presos ou, no mínimo, afastados. No Brasil, no entanto, os militares julgam-se donos da República, e se pretendem um poder moderador com permissão para fazer o que bem entendem, quando entendem. Tutela.

Em entrevista à jornalista Eliane Cantanhede, no Estado de SP, em 21 de setembro, o comandante Tomás Paiva declarou “temos que afastar a percepção e o temor de parte da sociedade de que as Forças Armadas estariam envolvidas em tentativas de golpe. O 8 de janeiro foi um ponto fora da curva. O erro do exército foi a letargia na invasão do palácio do planalto e as manifestações em frente aos quartéis.” Haja ponto fora da curva na história do Brasil!

Já o ministro da Defesa nomeado por Lula, José Múcio, foi mais longe: “nós devemos a democracia às forças armadas que não queriam absolutamente golpe”(!), declarou, no mesmo dia, em coletiva de imprensa. É muita subserviência!

Um episódio no Congresso na última semana foi simbólico. O Líder do governo, Senador Randolfe Rodrigues organizou uma reunião com Múcio e Tomás Paiva para debater a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o 8 de janeiro. Ao sair da reunião explicou o motivo: 

“É da minha atribuição saber se havia alguma sensibilidade a algumas convocações (das Forças Armadas)” para depor… 

Chancelados por Múcio, os militares querem oferecer alguns anéis, para salvar os dedos. Justamente no momento em que as FA tem o menor nível de aprovação popular e o governo tem a faca e o queijo na mão para avançar rumo ao fim da tutela.

Juca Gonçalves

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