“Não sei se perceberam, mas vocês acabaram de criar uma nova modalidade no mundo do trabalho”, disse Lula aos responsáveis pelo Projeto de Lei Complementar PLP 12/2024, que dispõe sobre a “relação de trabalho intermediado por empresas operadoras de aplicativos”, no caso de transporte individual de passageiros em carros, como UBER e 99.
Se o projeto for aprovado, os motoristas não poderão ser considerados empregados, mas sim, para fins trabalhistas, “trabalhadores autônomos por plataforma”.
O PLP traz pontos de melhoria para aquilo que os motoristas de aplicativo hoje encontram, sendo o principal deles o estabelecimento de um piso remuneratório por hora de corrida no valor de R$ 32,10, superior ao que é praticado na maioria dos casos (mas não haverá remuneração pelo período em que o motorista fica à disposição, aguardando chamados). Os trabalhadores também passam a ter direito à Previdência Social (com contribuições suas e da empresa de aplicativo), e à organização sindical, inclusive com a previsão de negociação e representação judicial coletiva.
Mas a proposta tem sido alvo de críticas de advogados e magistrados trabalhistas.
Primeiro, pelo próprio momento em que o governo escolheu para apresentá-la. Depois de meses de espera, o projeto foi apresentado dias após o Supremo Tribunal Federal dar início a um julgamento sobre a questão, tendo já decidido que este julgamento terá efeito vinculante, isto é, a decisão vai valer para os milhares de processos em andamento no país.
Ou seja, o projeto que estabelece a inexistência de vínculo empregatício vem antes de que os juízes do STF tenham que se pronunciar se os motoristas têm ou não direito ao conjunto da proteção social garantida aos trabalhadores.
Em um artigo no Blog da Boitempo, os juízes trabalhistas e professores Valdete Souto Severo, da Faculdade de Direito da UFRGS, e Jorge Luiz Souto Maior, da Faculdade de Direito da USP, consideram que “estamos diante de uma proposta de lei empresarial”. Eles explicam por que é um erro considerar que empresa é uma intermediadora entre autônomos e clientes. Para citar dois de seus exemplos: a empresa admite, pois aceita ou não o cadastro do motorista, e assalaria, inclusive estabelecendo o valor do trabalho.
Pelo projeto, a caracterização do trabalhador como autônomo por plataforma depende da “plena liberdade” sobre seus horários e da ausência de exclusividade. Como explicam os professores, tudo isso já é possível e aplicável em modalidades de trabalho que são regidas pela CLT.
Eles ainda apontam prejuízos que o PLP traz aos motoristas, sendo o mais escandaloso a permissão de jornada de 12 horas diárias! Ou seja, seriam trabalhadores excluídos da própria Constituição Federal, que fixa a duração do trabalho normal em no máximo 8 horas.
Efeito sobre o conjunto da classe
Para a advogada trabalhista Rosana Vieira, um dos pontos mais preocupantes é justamente o fato de que, como disse Lula, está se criando uma nova modalidade. “É uma regulamentação em abstrato de que os trabalhadores, pelo simples fato de que trabalham por aplicativo são considerados autônomos. A CLT estabelece aquilo que configura relação de emprego, com critérios como pessoalidade, subordinação e não-eventualidade. O governo não pode dizer de antemão que é autônomo sem olhar o concreto: aquele trabalhador tem subordinação?”.
O risco é que, mesmo constando em uma lei destinada especificamente aos motoristas de aplicativo, cria-se a figura “trabalhador autônomo por plataforma” na legislação brasileira. “Isso abre margem para, no futuro, criarem um aplicativo para contratar empregada doméstica, por exemplo. Se é por aplicativo, não precisa mais comprovar se tem eventualidade, subordinação, etc.”, afirma Rosana.
Priscilla Chandretti