Uma análise do discurso de posse da Donald Trump

Reproduzimos uma análise do discurso de Donald Trump. Um artigo de Devan Sohier, publicado no semanário do Partido Operário Independente (Informações operárias) de 25/1/2017.

O discurso de investidura de Trump resumiu, num breve quarto de hora, as ambições que o novo presidente dos EUA se fixa para o seu mandato. Reproduzimos uma análise deste discurso, da autoria de Devan Sohier, publicada em França no semanário do POI (Informações operárias) de 25/1/2017. Um discurso foi salpicado com os chamadas “America first” (os EUA em primeiro lugar), habituais em Donald Trump, assim como com apelos ao povo americano, contra as elites, que já tinham marcado a sua campanha eleitoral.

amercina first

Mas, para lá da sua forma grandiloquente, este discurso expressa a violência das contradições em que está enredado o imperialismo estadunidense. No seu seio refractam-se todas as contradições inultrapassáveis do sistema de dominação do imperialismo. Compete-lhe — enquanto imperialismo mais poderoso assegurar a manutenção da ordem mundial, em permanência desconjuntada pelos ajustamentos provocados nos mercados pela guerra implacável travada entre os monopólios imperialistas. Demasiado peso sobre os ombros dos EUA

O mundo não conseguiu superar a crise que rebentou em 2007-2008, que todos consideram ter sido a mais impactante depois da crise da década de 1930. A responsabilidade pela manutenção da ordem mundial, numa tal situação, é demasiado pesada para ser assumida sozinha pelos EUA. Este papel tem um custo: o Orçamento dos EUA para fins militares ultrapassa 3% do seu PIB, enquanto o dos outros membros da NATO não chega a atingir 2% — objectivo fixado por esta organização. Ao anunciar um distanciamento em relação à NATO, ameaçando mesmo sair dela, Trump procura fazer pressão sobre os seus aliados para perfilharem-se atrás desse custo.

O impasse de todo o sistema imperialista

Num outro plano, ao ameaçar o mundo inteiro com uma guerra econômica e com medidas de retaliação, Tump exprime — também aqui — o impasse em que entrou todo o sistema imperialista. As forças produtivas decorrentes do desenvolvimento do sistema capitalista — e, nomeadamente, do desenvolvimento dos cartéis financeiros dos EUA não podem ser fechadas no quadro das fronteiras nacionais, e Trump sabe disso. Trump faz ameaças, mas sabe que o milagre das fenomenais capitalizações bolsistas da Apple, da Google, da Amazon,… é inseparável da entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC). Tump ameaça reintroduzir direitos aduaneiros, desencadear uma guerra comercial e substituir os acordos de comércio livre por negociações e acordos bilaterais. Trump negocia, com o revólver sobre a mesa, mas não tem poder para inaugurar uma nova era protecionista, e ele sabe disso.

A União Europeia em crise

A eleição de Donald Trump ocorre num momento particular, como é sublinhado pelo jornal francês “Le Monde”: “a União Europeia é o tratado comercial que foi mais longe em nível mundial. Ora, ela está em crise pelas mesmas razões que a política dos EUA”.

A União Europeia (UE) desagrega-se, pois está sujeita à pressão contraditória dos seus Estados-membros (cada um deles defendendo os seus próprios interesses) e, em simultâneo, à pressão da resistência dos povos desses Estados. O Reino Unido, afastando-se de uma União Europeia enredada na estagnação, está em vias de negociar a sua saída; os governos espanhol e italiano acabam de sofrer derrotas eleitorais, cujas consequências ainda não estão para vir; as próximas eleições, em França e na Alemanha, estão cheias de incertezas.

Tudo isto resulta da exacerbação da luta de classes na Europa, com as manifestações contra a reforma laboral na França, com a luta contra o Jobs Act (reforma constitucional) na Itália — que levou à derrota de Renzi no referendo. E nesta nova situação que, se podemos compreender dos avisos de Trump: como a União Europeia está em desagregação, mais vale negociar directamente com o Reino Unido, que se constitui no maior potentado financeiro do Velho Continente.

Manifestações de massas

Os lucros das multinacionais americanas foram conseguidos, durante dezenas de anos, pela capacidade dos EUA em lucrarem com a manutenção da ordem mundial. Agora, um sector do imperialismo norte-americano — representado por Trump – considera que é chegado o momento de repartir isso com os seus aliados, de forma diferente, o custo dessa manutenção.

Ao fazê-lo, o imperialismo americano transfere para os Estados desses aliados uma parte da carga explosiva contida nas suas exigências. Neste sentido, a “virada” anunciada por Trump é apenas uma manifestação do impasse e da crise que dilacera as cúpulas do imperialismo mais poderoso, com todos os perigos que ela encerra para todo o mundo. Este impasse manifestou-se, de forma retumbante, num fato sem precedentes: as manifestações massivas, nos próprios EUA, em resposta à sua investidura.

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