Uma nova situação está aberta na Argélia. Antiga colônia francesa, tendo conquistado a independência após uma guerra que se estendeu de 1954 a 1962, o país ocupa importante lugar no norte da África. Está às portas da Europa, tem grandes reservas de gás e petróleo e vem servindo de contenção para os diversos grupos de mercenários e terroristas que, patrocinados direta ou indiretamente pelo imperialismo, agem para desestabilizar a região.
No dia 11 de março, após semanas de mobilização popular (leia na pag. 11), foi divulgada uma carta atribuída ao atual presidente, Abdelaziz Bouteflika, anunciando que, sensível às exigências das ruas, ele não vai concorrer a um quinto mandato presidencial.
Dirigida “aos concidadãos”, a carta afirma que, assim, Bouteflika espera “apaziguar os ânimos e abrir o caminho para restabelecer a serenidade e preparar o mais rapidamente possível o advento de uma nova era na Argélia”.
Ainda segundo a carta, as eleições previstas para 18 de abril estão adiadas. Uma Conferência Nacional “inclusiva e independente” será convocada e disporá de todos os poderes para elaborar uma nova Constituição – que será submetida a referendo popular – e definir a nova data das eleições presidenciais.
Reproduzimos aqui informações e posições compartilhadas pelo Partido dos Trabalhadores da Argélia, que integra o Acordo Internacional dos Trabalhadores e dos Povos (AcIT).
Regime rejeitado pela maioria
No dia seguinte à divulgação da carta atribuída a Bouteflika, 12 de março, um comunicado do Partido dos Trabalhadores da Argélia (PT-A) afirmava: “Na realidade, de acordo com o esquema do presidente, enquanto se aguarda a dita conferência nacional autonomeada, o mesmo sistema político totalmente rejeitado pela maioria continuará a assolar o país em benefício da oligarquia predadora, das máfias, que arruínam a nação (…). Decidir hoje que as próximas eleições serão presidenciais não confirma que o povo está sendo excluído da definição da natureza do regime a ser estabelecido? Mais claramente, isso não reflete a intenção de manter o mesmo regime presidencialista antidemocrático?
O rechaço ao atual parlamento servil foi claramente expresso na mobilização, que colocou a questão da representação política, da transformação da imunidade parlamentar em impunidade, da interligação entre os negócios e as instituições… Então, esse parlamento pode continuar a legislar?”
De fato, a questão que está colocada é a da manutenção do regime e de todas as suas instituições. No mesmo dia 12 de março, ao mesmo tempo que comemoravam o recuo do regime, os estudantes e seus professores se manifestaram aos milhares, em todas as cidades da Argélia, com palavras de ordem contra o “puxadinho” que a carta atribuída a Bouteflika concede a seu mandato: “Não à prolongação!”, “Não ao 4º+”. Essa resposta imediata expressava a recusa de aceitar a preservação de um regime rejeitado pela massa dos argelinos. Pois, como todos sabem, há várias semanas milhões e milhões vêm se manifestando em todo país contra o regime e não apenas contra um quinto mandato.
Essa mobilização maciça abriu uma crise sem precedentes no seio do regime. As associações de “mujahidin” (antigos combatentes da guerra contra o colonialismo francês NdT), e também conhecidos políticos que, de início, apoiavam o quinto mandato, foram arrastados pela força do movimento e mudaram de posição.
Contra a política do secretário geral da UGTA (União Geral de Trabalhadores Argelinos), de apoio ao quinto mandato, muitas instâncias, como o Sindicato Departamental de Tizi Ouzou ou o Sindicato Local de Rouiba da grande zona industrial de Argel, se colocaram a favor dos manifestantes. Essas fraturas são também sentidas dentro do exército e da polícia. É nessas condições que os círculos dirigentes do poder buscam uma saída para a crise tentando preservar o regime vigente.
Logo da divulgação da carta, o Presidente da França, Emnanuel Macron, que acompanhava com muita discrição a onda de manifestações, saiu em apoio ao regime argelino, declarando-se favorável a uma “transição democrática”.
A questão da Assembleia Constituinte no centro da mobilização popular
Como afirma a declaração do PT: “De fato, para a esmagadora maioria do povo, um quinto mandato concentra a vontade de manter o sistema político vigente, autoritário e putrefato, herdado do sistema de partido único e que se coloca a serviço da minoria rica, predadora, organizada em oligarquia.
A questão da soberania do povo esteve no centro da grandiosa mobilização realizada pela esmagadora maioria.
A questão da Assembleia Constituinte Nacional (ACN) foi colocada na mobilização como o instrumento para garantir a soberania do povo, pois permite associar todos os componentes da sociedade no debate e na elaboração da nova Constituição, ou seja, na definição da forma e do conteúdo das instituições que a sociedade necessita para exercer sua plena soberania.”
O comunicado do PT ressalta, com toda razão, que o objetivo de uma assembleia constituinte é definir a forma e o conteúdo das instituições, isto é, o questionamento do regime e de todas as contrarreformas, a reestatização do que foi privatizado, o aumento dos salários, a luta contra a corrupção e todas as medidas sociais e econômicas exigidas pelo povo argelino.
E a seguinte questão é apresentada: “A convocação de uma conferência nacional não eleita poderia encarnar a vontade popular? Poderia tal conferência se autoproclamar representativa, soberana e ser dotada de poderes constituintes sem mandato popular?”
De fato, como insiste a declaração do PT argelino, é agora, imediatamente, que devem ser tomadas medidas de urgência para responder às aspirações do povo argelino e não através de uma perspectiva hipotética, organizada por uma conferência nacional para prolongar o quarto mandato e preservar a manutenção do regime vigente. O que a população exige são medidas de urgência, imediatas.
Nesse sentido, o comunicado ressalta que “para o PT, somente a continuação da mobilização pacífica é capaz de impedir toda manobra que vise a contornar a soberania do povo que deseja impor todos os seus objetivos democráticos, econômicos e sociais. E assim como a juventude e as amplas camadas souberam preservar a segurança nacional e, portanto, a soberania nacional pelo caráter pacífico das marchas, elas terão a força para abrir perspectivas reais para a nação.”
(Publicado no jornal francês Informações Operárias, edição 544, de 14 de março)